As cidades não são para velhos, mas ainda há resistentes
- koala hub
- 17 de abr. de 2023
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JAN 27, 2022
André Rito - Expresso. Confira matéria original aqui.

Maria é o exemplo de resiliência e vontade de viver na cidade grande. Canta fado e mal desceu a rua uma amiga ofereceu-lhe um xaile em croché - Nuno Fox
Seniores: é preciso combater o isolamento dos idosos nos centros urbanos, tornar o espaço público mais amigável e formar comunidades mais solidárias. Vários projetos estão a nascer e os municípios têm um papel fundamental na inclusão
Precisa de subir cinco andares até chegar a casa. A viver num edifício no coração do Cais do Sodré desde 1967, não são os degraus que impedem Maria Elma Faleiro de sair de casa todos os dias. Aos 77 anos, faz questão de ter uma vida ativa: faz costura numa loja, meditação, vai à igreja, anda a pé e de autocarro. Muito mudou na zona onde vive desde que chegou a Lisboa: a tasca do Tomás, a taberna dos canários, as lojas e oficinas desapareceram para dar lugar a restaurantes internacionais e bares que animam a vida noturna da capital.
“Aqui os velhotes já são poucos”, diz, sentada na pequena sala de sua casa, rodeada de imagens de uma família de 11 irmãos, oriunda de Trás-os-Montes, algumas figuras religiosas e material de costura. Numa outra divisão, deitada numa cadeira, está a gata “Kikas”, sua grande companhia. “Sou uma moeda rara”, brinca Maria, cujo apartamento é o único que não foi convertido em Alojamento Local. “As pessoas saíram de um ano para o outro, mas eu nunca recebi carta de despejo.”
Maria podia ser um exemplo de um idoso em contexto urbano. É um caso sério de resiliência e vontade de viver na cidade grande. “Galinha de campo não quer capoeira”, disse para a mãe, aos 18 anos, quando decidiu mudar-se para a capital para viver com um irmão. Não tem filhos, mas ajudou a criar afilhados e várias crianças. Trabalhou toda a vida, tendo chegado a ser a “única pessoa a quem Freitas do Amaral autorizava a limpar o seu escritório”. E adora cantar fado. Mas será que o seu caso é uma raridade?
Casa própria O conceito de cidade amiga do idoso, definido pela Organização Mundial de Saúde, enfatiza áreas como a habitação, os transportes, apoio comunitário, espaços exteriores, participação cívica e emprego, respeito e inclusão social. Mas em Portugal há ainda um longo caminho a percorrer. Nuno Marques, médico e presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento, considera que existem “grandes limitações” e que os municípios desempenham um papel fundamental.
“Deverão avaliar qual a opinião dos mais idosos e identificar as situações com piores índices nos vários domínios definidos internacionalmente para tornar as cidades ‘amigas’ dos mais idosos.” Afirmando que Portugal tem uma grande heterogeneidade territorial nas matérias relevantes para os idosos, o médico considera necessário atuar nos obstáculos: “Passeios, escadarias sem apoios adequados, escassez de espaços verdes. Acresce que em muitos casos até os transportes públicos não são adequados, por apresentarem uma altura elevada para os idosos entrarem.”
Inclusão será aqui a palavra-chave para adequar as cidades a uma população cada vez mais envelhecida. O acesso à habitação é sobretudo um problema que afeta as camadas mais jovens. “A maioria dos mais velhos tem casa paga com empréstimo ao banco. São dados positivos”, afirma Luís Lobo Xavier, que coordenou um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian sobre habitação, integrado no projeto Justiça Intergeracional. “Analisámos os Censos e concluímos que os jovens saem cada vez mais tarde da casa dos pais. Esta geração mais idosa beneficiou de outras condições bancárias. Dois terços desta população tem a habitação paga.”
José Carlos Mota, docente e investigador no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, aponta o isolamento como um dos problemas da população acima dos 65 anos desta cidade. “É um fenómeno notório. O número de homens e mulheres que vivem sozinhos representa 1% a 3% desta população, mas o aumento foi exponencial: 60% nos homens e 30% nas mulheres. E não há grande apoio familiar”, afirma o investigador, que coloca a mobilidade como uma das principais áreas de atuação.
Minibus “é o meu táxi” “Em termos de transportes, creio que existem sempre dificuldades, assim como nas acessibilidades, rampas, passeios, que nem sempre estão adequados, até pelas dificuldades de visão dos mais idosos. Mas a questão da mobilidade tem a ver com a necessidade: para onde é que as pessoas se deslocam? O único cinema da cidade já não é no centro, é periférico, e o comércio de proximidade desapareceu para dar lugar a grandes superfícies, colocando dificuldades acrescidas de transporte.”
Não é o caso de Maria Elma Faleiro. À sua porta passa um miniautocarro que a transporta quando precisa de se deslocar. “É o meu táxi”, diz. Além disso, conta com o apoio do projeto Radar, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cujas parcerias com polícia, município, entidades de saúde, meios de transporte, entre muitos outros, ajudam a facilitar o dia a dia. “O projeto existe desde 2019 e estamos nas 24 freguesias de Lisboa”, diz Sara Ferreira, técnica superior de assistência social. “Entrevistámos porta a porta 30 mil pessoas com mais de 65 anos.”
Mais a norte, o Porto tem sido uma das cidades que procura respostas para o aumento da população envelhecida. “Será apresentada em breve através do Plano de Ação Porto, Cidade Amiga das Pessoas Idosas 2023-2025, incrementando, em parceria com as entidades da Rede Social do Porto, medidas que estimulem fazer da pessoa idosa protagonista de uma vida ativa e de um envelhecimento positivo e saudável”, afirma Fernando Paulo, vereador do pelouro de Educação e Coesão Social da Câmara Municipal do Porto.
Também em Torres Vedras o município tem vindo a trabalhar para tornar a cidade mais age friendly. Em abril de 2013 entrou em funcionamento o serviço de transporte Porta a Porta, que possibilita o transporte de cidadãos com mobilidade condicionada para equipamentos e serviços públicos essenciais sempre que não existam alternativas que garantam a sua deslocação. Desenvolveram-se percursos pedonais na cidade, integrados em passeios e zonas de circulação já existentes, funcionando com um pavimento confortável e antiderrapante. Os portugueses com mais de 65 anos vivem sozinhos? Segundo o Eurostat, 50,1% dos idosos vivem em casal. A estatística mostra-nos também que 31,2% habitam sozinhos e 18,7% vivem noutro tipo de agregados, como instituições e lares de terceira idade.
Onde vivem? Há uma elevada proporção em núcleos monoparentais nas regiões autónomas — 11,4% na Madeira e 9,2% nos Açores —, assim como nas regiões de Lisboa (22,9%) e do Alentejo (22,3%).
A sobrelotação das casas é um problema? Não. Apenas 3,1% da população acima dos 65 vive em casas sobrelotadas. No contexto da UE, Portugal encontra-se bem posicionado, à frente de países como a Finlândia, Suécia e Eslovénia. A Letónia, Polónia, Croácia e Roménia são os países que apresentam mais domicílios sobrelotados.
Nos invernos rigorosos os idosos conseguem aquecer as suas habitações? Neste capítulo, Portugal continua na cauda da Europa: 28,9% dos idosos não têm recursos para manter as casas aquecidas. A média europeia situa-se nos 9,9%, e apenas Lituânia e Bulgária estão em pior situação. A Suíça é o país onde a população não sofre deste problema: apenas 0,1% dos idosos passam frio no inverno.
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