JAN 06, 2022
Mirian Goldenberg - VOGUE. Confira matéria original aqui.
Para a pesquisadora Mirian Goldenberg, o público feminino está usando a sua própria voz para expressar seus desejos, medos e insatisfações, especialmente no âmbito sexual
Cabelos Grisalhos (Foto: Getty Images)
Recentemente, uma jornalista me perguntou sobre a vida sexual das mulheres maduras. Estranhei quando ela disse que eu tenho um “lugar de fala”, que sou uma “porta-voz, representante e símbolo das mulheres maduras”. A primeira imagem que me veio à mente foi a de uma fruta prestes a cair da árvore, que precisa ser comida logo, pois está na iminência de estragar, apodrecer, ser descartada e jogada no lixo.
Apesar de ser classificada como uma “mulher madura”, sou apenas uma mulher, independentemente da idade que eu tenho, que escreve sobre os caminhos de libertação de todas nós. Mais importante ainda, as mulheres têm a sua própria voz e não precisam de “porta-voz” para expressar seus desejos, medos e insatisfações. Há uma enorme diversidade de desejos e comportamentos entre as mulheres.
Após a revolução sexual do século XX, será que ainda é possível rotular e aprisionar as escolhas femininas? Existem mulheres que sempre gostaram de sexo e procuram todos os recursos disponíveis no mercado para continuarem tendo prazer na cama. Algumas que já fizeram muito sexo no passado, mas que hoje não querem mais. Outras que usam a idade como desculpa, pois acham que já cumpriram com suas “obrigações conjugais e sexuais”. Muitas que querem continuar tendo uma vivência sexual prazerosa, mas não com o atual parceiro. Aquelas que têm uma vida sexual intensa fora do casamento. Inúmeras que gostam do sexo virtual, que se masturbam, que preferem o vibrador. Mulheres que tiveram muitos parceiros ou apenas um, as que são infiéis ou foram traídas, as que nunca tiveram um orgasmo ou aquelas que têm orgasmos múltiplos e tantas outras.
A jornalista perguntou: “O que mudou na sua vida amorosa e sexual depois dos 50?”. Então me lembrei de uma situação constrangedora que aconteceu há alguns anos. No fim da tarde de um sábado de Carnaval, em uma das ruas mais movimentadas da Zona Sul do Rio de Janeiro, meu marido me beijou apaixonadamente. Imediatamente um grupo de jovens fez um círculo ao nosso redor. Eles deram risadas, gritaram e aplaudiram alegremente. Uma menina fantasiada de princesa gritou: "Tá melhor que a gente!".
Fiquei completamente desconcertada com a situação embaraçosa. Nunca poderia imaginar que seria o foco de interesse de tantos jovens no Carnaval carioca, já que milhares de outros casais também se beijavam, se abraçavam e protagonizavam cenas mais ousadas. Por que um casal, que só estava se beijando, chamou tanta atenção?
Um garoto fantasiado de príncipe gritou: “Olha que bonitinho, dois velhinhos se beijando”. Só então percebi o motivo da aglomeração. Como dois velhinhos têm a coragem de se beijar apaixonadamente sem se preocupar com o olhar dos outros? Como dois velhinhos têm a ousadia de não serem invisíveis e de não esconderem o seu amor? Como dois velhinhos caquéticos e decrépitos podem ser tão ridículos e sem noção?
Acho que não tínhamos nem idade ou aparência para sermos classificados como velhinhos. Mas, aqui no Brasil, depois dos 50 (talvez antes) já somos enxergados como velhinhos que não podem namorar, beijar na boca, transar ou ter tesão. Já somos considerados assexuados e invisíveis, e experimentamos uma espécie de “morte simbólica” no amor e no sexo.
É o que eu chamo de velhofobia: a violência verbal, psicológica e física, o estigma, a intolerância, a discriminação, a exclusão, os xingamentos, as “brincadeirinhas” e os preconceitos contra os mais velhos. Para os jovens foliões, eu e meu marido deveríamos ter ficado escondidos dentro de casa no Carnaval. Deveríamos sentir vergonha, e até mesmo culpa, por sermos um casal apaixonado, pois vivemos em uma sociedade velhofóbica que só valoriza a sensualidade, o tesão e a beleza da juventude. Não é à toa que os brasileiros têm pânico de envelhecer.
Conversando com a jornalista, descobri um outro lado que não consegui enxergar naquele momento constrangedor. O grito de "Tá melhor que a gente!" dado pela princesa tem um fundo de verdade. Estou muito melhor agora do que quando tinha a idade dela. Só com a maturidade aprendi que reciprocidade é receber do meu amor o que eu mais preciso para ser feliz, e retribuir dando o que ele mais precisa. Entendi que muitos conflitos conjugais decorrem da falta de reconhecimento das reais necessidades do outro. Aprendi a não brigar, criticar, reclamar e discutir por bobagens; a ser mais companheira e generosa; a escutar com mais atenção e doçura; a rir das coisas que antes me irritavam; a confiar e me sentir segura; a não economizar beijos, abraços e carinhos; a respeitar o tempo e o espaço do outro; a compartilhar a vida com atenção, cuidado e compreensão. Aprendi a importância de dizer todos os dias: "Eu te amo, você é o amor da minha vida".
Hoje, se a princesa gritasse “Tá melhor que a gente!” de novo, eu daria um beijo ainda mais apaixonado no meu amor. Talvez até conseguisse dar risadas e considerar um elogio as “brincadeirinhas” dos jovens carnavalescos. Será que a princesa encantada e seu príncipe consorte já sabem que serão os “velhinhos bonitinhos” de amanhã? Feliz 2022, com muita saúde, amor, reciprocidade, generosidade e amizade entre as mulheres, de todas as idades.
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