MAI 09, 2022
Vivian Souza, Tiago Alcantara, Paola Patriarca e Luciana de Oliveira - G1. Confira matéria original aqui.
Arquiteta, fisioterapeuta, servidor público: muitas pessoas deixaram (ou perderam) o emprego que conheciam e foram se aventurar na tecnologia, onde sobram vagas e o salário é bom.
Não foi a admiração por Steve Jobs ou Mark Zuckerberg que levou Josiane Santiago a trocar a fisioterapia pela tecnologia da informação (TI). Foi a necessidade: a mudança radical aconteceu depois dos 50 anos, quando ficou desempregada.
"Eu ganhava o piso salarial (como fisioterapeuta). Depois que eu saí dessa empresa eu não consegui mais emprego onde eu ganhasse isso", conta Josiane. Primeiro, ela tentou vender marmitas para fazer alguma renda. Depois, decidiu se espelhar nos irmãos, que já trabalhavam com TI.
Aos 52 anos, ela decidiu voltar à sala de aula pela Reprograma, uma iniciativa que oferece aulas gratuitas de programação para mulheres de baixa renda de todas as regiões do Brasil. "Não foi fácil, eu era uma usuária básica, usava o computador para mandar um e-mail, fazer um texto no Word... Nunca tinha codado uma linha. Várias vezes saí da sala para chorar porque não estava entendendo nada. Era a mais velha", recorda. "Mas fiz o meu projetinho de conclusão, me formei e deu bom."
Josiane conseguiu o primeiro emprego como analista de sistemas júnior e seguiu estudando: fez um curso de web full-stack no Santander Coders. Full-stack é o nome dado ao programador que pode atuar tanto como back-end, que é a parte de programação do site que o usuário não vê, quanto como front-end, que é tudo o que é visual, ou como desenvolvedor mobile. Josiane Santiago aprendeu a programar depois dos 50 anos na Reprograma, que oferece oportunidades para mulheres que não têm condição de pagar por cursos — Foto: Arquivo pessoal Em 2020, surgiu uma nova oportunidade por meio da EducAfro, consultoria especialista em diversidade étnico-racial. De 1.200 candidatos, 20 foram selecionados para trabalhar em uma multinacional brasileira de soluções digitais, a CI&T incluindo Josiane. Satisfeita, ela diz que está perto de se tornar analista plena. E a carreira anterior não foi esquecida. "Aprendi muita coisa lidando com o público (com a fisioterapia): como me expressar, como me comunicar, como conseguir alcançar o objetivo, sendo clara. Tudo o que você aprendeu na sua vida vai te ajudar na sua transição de carreira", ensina. Luana Tenguan tem uma trajetória bem diferente de Josiane. Aos 21 anos, está no último ano de gestão comercial. Mas não pretende praticar a profissão que aprendeu na faculdade. A universitária diz que se apaixonou por acaso pela programação. "Durante a faculdade, eu comecei a fazer bordados e criei um site para facilitar a venda. Mas pense em um site feio. Depois que conheci o HTML e o CSS, meus olhos brilharam e eu pensei 'é isso que eu quero fazer'", conta a estudante. Luana decidiu mirar na área de desenvolvimento web – uma das mais aquecidas para quem está começando no setor de tecnologia. O que a atraiu? "O fato de eu poder resolver um problema e, por meio do meu trabalho, impactar a vida de milhares de pessoas", afirma. No ano passado, ela participou de um processo seletivo de um curso na escola Digital House, em parceria com a Porto Seguro. O programa é moldado para que a empresa do mercado de seguros treine futuros colaboradores. Os formados participam de uma entrevista final e, se passam, são contratados.
Com esse emprego em vista, Luana quer terminar a faculdade e aumentar seus conhecimentos na área com cursos livres. A possibilidade de trabalhar de casa e ter mais autonomia nas funções motivou Juliana Pedroso a trocar a experiência na área administrativa, com passagens por bancos como Santander e Itaú, pela carreira de desenvolvedora front-end (que cuida da parte visual dos sites e apps). "Eu percebi que [a administração] ainda tinha processos bem burocráticos. Projetos precisavam passar por várias áreas para serem aprovados, em um formato hierárquico que não fazia sentido para mim. E eu queria ter algumas facilidades que o home office oferece hoje", conta Juliana. A ex-assistente administrativa começou a estudar programação no fim de 2020 por conta própria, em vídeos no YouTube e cursos gratuitos. Sentiu falta de uma bagagem maior e ingressou em um curso de desenvolvedor com duração de seis meses.
Sem dinheiro para investir em uma nova carreira, Juliana conta que começou o curso na startup educacional Labenu, que tem modelo de "sucesso compartilhado". Nesses casos, o aluno começa a pagar pelo estudo depois de receber um salário a partir de R$ 3.500.
Em menos de um ano, a aspirante a programadora conseguiu uma vaga como trainee e, em seguida, a primeira colocação como "dev" – apelido dado aos desenvolvedores no mercado. Atuando como front-end júnior desde agosto de 2021, ela já passou por três empregos e diz ganhar cerca de 70% a mais do que na época em que trabalhava nos bancos. Segundo Juliana, o motivo para a intensa troca de empregos foi a falta de identificação com as empresas. Agora, se diz realizada, trabalhando de forma remota para uma companhia de Curitiba e vivendo em Guaratinguetá (SP). Para Carolina Coelho, de 33 anos, a mudança de carreira também está ligada com a vida no interior. Depois de sete anos prestando serviços como arquiteta urbanista autônoma, ela estava insatisfeita. No começo da pandemia, ela e o marido trocaram a metrópole Belo Horizonte pela pacata cidade de Gonçalves, no sul de Minas Gerais, em busca de uma vida mais saudável. E a mudança de área veio na sequência. Carolina já acompanhava o mercado de tecnologia há, praticamente, dez anos por conta do marido, que é engenheiro de software. E resolveu que poderia ser mais feliz trabalhando como designer de experiência do usuário ou UX, na sigla em inglês. "Como tinha alguma referência de design, achei que a transição seria mais confortável", explica. “Foi uma grata surpresa porque percebi que a minha experiência como arquiteta seria interessante. Lidar com os usuários e entender as necessidades deles para projetar uma experiência adequada é o que eu já fazia." Nesse processo, optou por um curso de sete meses que oferecia parte das aulas ao vivo e mentorias com profissionais do mercado. Depois de cerca de três meses de aulas, Carolina conseguiu um estágio na área e atualmente trabalha para uma marca de maquiagens naturais.
O recomeço é visto por ela com naturalidade. "Sei que estou investindo tanto no curso quanto no estágio, com um retorno financeiro menor do que eu ganhava antes." “Ela incentiva quem pensa em migrar a trocar ideias com quem já esteja na área. "No mercado de tecnologia não falta gente disponível para ajudar. Essa é a maior diferença em relação ao mercado de arquitetura”, afirma Carolina. A comunidade de TI também abraçou Ronaldo Francisco dos Santos, de 34 anos. Ele trabalhou 8 anos com gestão portuária e, mesmo com a experiência e ensino superior na área, decidiu se tornar servidor público.
Depois de três anos na Secretaria de Educação de Taboão da Serra (SP), ele percebeu que não era o que queria. Incentivado por amigos que trabalham com tecnologia, se inscreveu em um curso de seis meses de programação, passou a conversar com profissionais da área e viu que estava no caminho certo. "Antes mesmo do curso, entrei em contato com a comunidade de programadores pelas redes sociais. Eles são muito dispostos a ajudarem em tudo. Valeu muito a pena: todos são unidos, é algo fora do comum" , recomenda. Em janeiro deste ano, Ronaldo resolveu deixar de ser funcionário público. "Fui com a cara e coragem buscar novos empregos. Fiz um processo seletivo para ser suporte técnico. Eles deram uma prova para demonstrar conhecimento da área tecnológica e algumas linguagens foram colocadas para resolver problemas. Deu certo e entrei", conta.
Outra oportunidade apareceu pouco tempo depois: uma vaga para desenvolvedor júnior em uma empresa de robótica. Atraído por ser no modo home office e com horário flexível, Ronaldo se inscreveu, foi aprovado e está no cargo há três meses. Para ele, o segredo para o sucesso em TI é ter em mente que a área serve para resolver problemas e exige se manter atualizado. "Dependendo da linguagem com que se está trabalhando, ela evolui demais. No início, entendê-las foi uma dificuldade. Então, para quem não quer o estudo frequente, não é uma área boa. Tudo evolui e você não consegue se manter atualizado com o que aprendeu em um curso. Tem que estar buscando sempre", resume. Para Ronaldo, uma das dificuldades para quem quer investir no mundo da tecnologia é a falta de base.
"Você não tem prévia na escola, nem na faculdade sobre o assunto. Mesmo eu optando por uma área portuária na graduação, que tem muita logística, eu não tive incentivo de ter raciocínio lógico e de programação. E eu sei que no Porto de Santos é algo que está sendo algo muito utilizado".
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