SET 02, 2022
André Rito e Sara Tarita - Expresso. Confira matéria original aqui.
Esta é a pergunta cuja resposta intriga Governos e comunidade médica de todo o mundo. Na era da longevidade, é preciso encontrar soluções para os mais velhos
São conhecidas por “zonas azuis”. A expressão designa cinco locais do mundo onde as pessoas vivem mais tempo e com mais saúde. Uma das principais é Okinawa, no Japão — curiosamente o país mais envelhecido do globo —, conhecida como “a terra dos imortais”. É o lugar onde vivem as mulheres mais velhas do planeta, onde se cultiva uma alimentação saudável, exercício físico e um forte sentido de comunidade. Apesar da distância geográfica, Portugal partilha os mesmos desafios demográficos, embora esteja ainda longe de alcançar os mesmos resultados em saúde: somos o quarto país mais envelhecido do mundo, mas grande parte da população vive os últimos anos com uma forte carga de doença.
Como inverter esta tendência? A solução passa necessariamente por uma abordagem multidisciplinar: apostar na saúde e na prevenção, mas também no mercado de trabalho, na sustentabilidade dos sistemas sociais e na economia. Luís Jerónimo, diretor-adjunto do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano da Fundação Calouste Gulbenkian, lembra que um país altamente desigual terá sempre consequências na saúde e na forma como envelhecemos. “Está relacionado com um problema estrutural de Portugal: a pobreza e a desigualdade, elementos que se manifestam nas fases mais adiantadas da vida, seja por questões de saúde ou por incapacidade no acesso a alguns cuidados.”
Se compararmos Portugal com os restantes países da União Europeia, concluímos que o país está muito abaixo da média no que respeita aos anos de vida saudável depois dos 65: enquanto há países onde os cidadãos vivem 12 anos sem doenças, Portugal fica-se pelos sete, enquanto a média europeia está fixada nos 10 anos. Designado “esperança de vida saudável”, este indicador permite avaliar se a longevidade é acompanhada pela saúde. Avançando no tempo, sublinha Luís Jerónimo, “depois dos 80 os problemas de saúde são vividos de forma ainda mais vincada”.
Parte da solução para contrariar o envelhecimento passa pelo investimento em saúde. “Portugal não dispõe dos cuidados adequados para lidar com essa morbilidade. O nosso sistema de saúde foi pensado para crises agudas. Falta adaptar-se aos cuidados prolongados, investindo também no apoio social. A integração do sector social será fundamental para que o envelhecimento seja vivido de forma mais sustentada, assegurando assim maior qualidade de vida”, conclui o investigador da Fundação Calouste Gulbenkian. Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, identifica três grandes preocupações no envelhecimento e longevidade: trabalho, autonomia e apoios. “As exigências são cada vez maiores e temos de ter apoios sociais adequados ao envelhecimento, à habitação, aos cuidados domiciliários.” Considerando que a longevidade é também uma oportunidade, o provedor afirma que o envelhecimento sem saúde não é apenas um problema dos mais velhos. “Precisamos de uma mudança de pensamento, e essa mudança deve começar cedo, nas escolas, com a noção de que em todas as idades podemos dar o nosso contributo para uma sociedade melhor.”
Também Manuel Caldas de Almeida, médico e presidente da União das Misericórdias, considera necessário apostar na saúde para promover o envelhecimento livre de doenças. “Se as pessoas vivem muitos anos, é natural que o nosso organismo sofra um desgaste. Estamos muito estruturados para tratar e curar, mas no envelhecimento é preciso cuidar. Precisamos de opções eficazes, soluções para resolver as doenças sem perdas funcionais para as pessoas, sem sequelas”, afirma, reforçando também o papel de cada pessoa na sua própria saúde. “Trata-se de uma responsabilidade social mas igualmente individual. Se eu for uma pessoa obesa, terei uma forte probabilidade de envelhecer com alguma doença. Também cabe às pessoas garantir o seu próprio futuro e envelhecimento saudável.”
Batata-doce e finanças Voltemos ao Japão e ao fenómeno de longevidade em Okinawa, que se explica em parte pelo modo de vida e alimentação. Os seniores desta ilha andam a pé, as suas casas têm pouco mobiliário e tomam refeições e relaxam sentados em tapetes de tatâmi. O facto de se levantarem do chão várias vezes por dia aumenta a força e o equilíbrio do corpo, o que ajuda a proteger contra quedas. Quase todos cultivam ou já cultivaram uma horta: é uma fonte de atividade física diária que exercita o corpo, ajuda a reduzir o stresse e, ao mesmo tempo, desfrutam da luz do sol durante todo o ano. Em termos alimentares, são um exemplo a seguir: as suas refeições são compostas por legumes salteados, batata-doce e tofu, ricos em nutrientes e baixos em calorias. A carne de porco é reservada apenas para ocasiões cerimoniais e consumida em pequenas quantidades.
Apesar dos exemplos da dieta japonesa, o investigador britânico Rodney Kelly, especialista em longevidade, porém, alerta que o sistema de pensões nipónico não é exemplo de sustentabilidade, essencial para envelhecer com boas finanças e saúde. Depois de vários anos a viver no Japão, Kelly diz que “o Reino Unido, tal como Portugal e o Japão”, enfrentam desafios demográficos semelhantes. Um deles passa por introduzir um sistema de pensões eficaz. “No Japão, uma pessoa ativa é responsável pelo pagamento da pensão de 2,6 pessoas. No Reino Unido este número fica-se pelos 1,8”, diz ao Expresso. Em Portugal, em 2021, cada pessoa no ativo era responsável por 2,5 pessoas reformadas. “Existe um défice de pagamentos nestes três países”, avisa.
“As prioridades dos Governos mudam a cada mandato, e isso não ajuda a preparar soluções a longo prazo. Os Governos têm um horizonte temporal de quatro anos e nos cuidados preventivos e programas não vivem o suficiente, não há longevidade.” Se este indicador nos ajuda a perceber o envelhecimento sem saúde, há outro que nos deve preocupar: o aumento da mortalidade, em comparação com 2020. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, recorda uma ida à Assembleia da República no início deste ano, quando deixou uma mensagem: o número vai aumentar. “Depois de ter sido declarada a pandemia, tivemos um impacto muito grande no acesso aos cuidados por parte dos doentes não-covid. O número de exames que ficaram por fazer foram quase 25 milhões, tal como ficaram por fazer 450 mil rastreios de cancro. Quando falámos em recuperar, isto é normalizar, aproximando-nos dos números pré-pandemia. Estamos a receber doentes com doenças mais avançadas. Se não foram diagnosticados nem incluídos no sistema, há uma forte probabilidade de a mortalidade aumentar. Mas temos de esperar pela análise da DGS a estes números, sob pena de perder a oportunidade de os reverter.”
GUIA PARA UMA VIDA SAUDÁVEL E FELIZ
Alimentação Refeições ligeiras são o segredo para uma alimentação saudável. Dieta: comer menos carne e mais legumes.
Movimento Nem só o ginásio conta. Os habitantes procuram exercícios físicos menos convencionais, como cultivar uma horta.
Objetivos Investigadores da longevidade defendem que todos precisamos de uma razão para acordar de manhã. Aumenta a esperança de vida.
Stresse É importantíssimo reduzir os níveis. Está na origem de doenças como o AVC, provoca o envelhecimento do cérebro e prejudica a aparência.
Vida social É fundamental manter laços de amizade e de família, fazer parte de uma comunidade. Pais, avós e filhos, assim como a restante família, são elementos decisivos.
Toxicidade Os fatores de risco estão relacionados com comportamentos aditivos.
Best of dos textos de longevidade no site Estudo sobre traços de personalidade Pessoas mais extrovertidas e conscienciosas têm menos probabilidade de desenvolver um défice cognitivo ligeiro.
Dia Mundial do Cancro do Rim
A incidência de um tumor silencioso que está a aumentar a nível global.
“Zonas Azuis”
Há cinco regiões no mundo onde as pessoas vivem mais e melhor. As lições para uma vida longa e saudável.
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Longevidade Vamos viver mais anos. Que avanços na saúde podem marcar as próximas décadas? Qual o impacto do envelhecimento nas nossas poupanças, nas cidades, na nossa vida social? Em 2022, o Expresso lança um projeto sobre este novo desafio, com o apoio da Fidelidade e da Novartis.
Textos originalmente publicados no Expresso de 2 de setembro de 2022
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