FEV 16, 2022
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“Envelhecer nas grandes cidades” foi o tema da 4.ª edição do Simpósio Interações, em Lisboa. O diretor executivo da Rede Social Europeia, Alfonso Montero, um dos oradores, afirma que os sistemas de proteção social não estão preparados para este boom de população envelhecida e que é preciso investir em cuidados de longo prazo personalizadose num ambiente multissensorial.
A criação de cidades age friendly é o futuro. Em Lisboa, o Projeto Radar do Programa Lisboa, Cidade de Todas as Idades, é pioneiro no combate ao isolamento dos idosos e na promoção de bairros mais solidários
O envelhecimento populacional é uma realidade na maior parte dos países ocidentais e um novo paradigma para os governos e organizações sociais. “Envelhecer nas Grandes Cidades” foi, por isso, o tema escolhido para a 4.ªedição do Simpósio Interações, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que se realizou ontem no São Jorge, em Lisboa. A conferência trouxe à capital portuguesa vários especialistas internacionais e serviu para partilhar as experiências age friendly de cidades como Barcelona, Manchester, Porto e Lisboa.
Mário Rui André, diretor da Unidade de Missão Santa Casa para o programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, esteve na organização do simpósio e explicou como “a relação entre urbanização e envelhecimento populacional” está a “moldar o nosso século e a construir um novo mundo”. “Ao mesmo tempo que as cidades crescem, o número de pessoas com 65 ou mais anos também aumenta. De acordo com a OCDE, em 2050 as metrópoles serão o local de residência de 43,2% destas pessoas”, destacou o responsável.
Um dos especialistas internacionais e orador convidado na conferência, o diretor executivo da Rede Social Europeia, Alfonso Montero, garantiu ao Correio da Manhã que “os sistemas de proteção social europeus não estão preparados porque uma União Europeia (UE) envelhecida resulta em menor base de coleta fiscal e numa maior procura de cuidados a longo prazo”.
Há vários obstáculos à existência de boas residências para idosos na UE. “A falta de financiamento tem levado a carência de recursos humanos. Por outro lado, o setor está subvalorizado, com falta de pessoal especializado e percecionado como pouco atrativo”, avalia Alfonso Montero. Fatores que conduzem, em última análise, “a uma impreparação para enfrentar situações de crise como aconteceu na pandemia covid-19, em que ocorreu um número excessivo de mortes”.
Está na hora de mudar este paradigma. “As autoridades públicas têm de repensar como cuidam dos idosos e virar-se para a inovação, para formas de cuidado personalizado focadas na comunidade, uma combinação de apoios a nível nacional e local, com o recurso à tecnologia”, sublinha.
A Rede Social Europeia conta com 170 organizações sociais associadas oriundas de 35 países.
O 5.º país europeu mais envelhecido
Segundo os dados da organização norte-americana Ageing in Place, Portugal é o quinto país europeu mais envelhecido do mundo, tendo por base um estudo comparativo de 30 países da OCDE. O impacto do envelhecimento de Portugal pode ser colocado em três níveis, como referiu Mário Rui André, diretor da Unidade de Missão Santa Casa para o programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”. No primeiro patamar está a forma como interpretamos o envelhecimento. “Envelhecer tem necessariamente de ser visto como um sucesso civilizacional e, como tal, não pode estar associado ao afastamento da vida pública ou do contributo para a vida em sociedade”, frisou. Em segundo lugar, está “o nível da nossa relação com o mundo”. “Não podemos deixar que novos modelos de nacionalismos extremistas ponham em causa o intercâmbio de cultura e o respeito por todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, desejem vir para o nosso país”.
O terceiro e último nível é o individual, referiu Mário Rui André. “Sabemos hoje que estamos num novo mundo em que podemos viver até aos 100 anos ou mais. Temos obrigação de planear melhor o nosso futuro, quer a nível do sito onde queremos viver e envelhecer, quer naquilo a que nos podemos dedicar, ou na forma como mantemos as nossas redes sociais e familiares que nos ajudem a viver com maior qualidade de vida”. Neste aspeto, realça Mário Rui André, a educação tem um papel essencial porque “o sistema educativo deverá procurar chamar-nos a atenção para esta realidade e estar presente ao longo de toda a nossa vida”.
Porto é uma das 1400 cidades globais Age Friendly
Christopher Philipson, professor de Sociologia e Gerontologia Social e um reconhecido investigador do Urban Ageing Research Group da cidade de Manchester, falou no simpósio como orador principal no painel “Cidades e Comunidades Age Friendly”. “Temos atualmente quase 1400 cidades e comunidades em 51 países dos hemisférios Norte e Sul que pertencem à Rede Global de Cidades e Comunidades Age Friendly da Organização Mundial de Saúde”, afirmou Christopher Philipson ao Correio da Manhã.
Christopher Philipson, professor e investigador da Universidade de Manchester, durante o Simpósio Interações A intervenção de Christopher Philipson no simpósio destacou a importância da própria casa e do bairro nesta fase tardia da vida, e como as políticas sociais age friendly devem estar centradas nesse eixo. “80% do tempo das pessoas com mais de 70 anos é passado em casa e nas imediações”, referiu Philipson.
A segunda maior cidade de Portugal, o Porto, ou Ponte de Sor, no Alto Alentejo, fazem parte da rede gloal mas a capital, Lisboa, ainda não está incluída embora já cumpra muitos dos critérios, como confirmou o diretor da Unidade de Missão da Santa Casa, Mário André. Os critérios para ser uma age friendly city focam-se num objetivo comum: a melhoria da qualidade de vida dos idosos nas cidades. Como explicou Christopher Philipson, “olhamos para uma comunidade como amiga dos mais idosos quando providencia o apoio necessário – por exemplo, boa habitação, serviços de alta qualidade, transporte eficiente – para assegurar que os mais velhos vivem de uma forma autónoma ou com alguma assistência durante o tempo que for possível num bairro da sua escolha”.
As atividades age friendly “implicam o envolvimento direto das pessoas mais idosas na organização e desenvolvimento da vida nos seus bairros”.
O que esteve por trás da criação do grupo interdisciplinar de investigação Manchester Urban Ageing Research Group (MUARG) foi o trabalho dos académicos com a Câmara Municipal da cidade britânica, juntamente com outras autoridades da Área Metropolitana de Manchester. “Levou-nos à necessidade de entender melhor como as mudanças que impactam as cidades estavam a afetar diferentes grupos de seniores”, explicou Christopher Philipson. Para o MUARG, isto significou “um foco nos grupos excluídos dos benefícios dos ambientes urbanos – os que experienciam a pobreza, a má habitação e ou a discriminação racial”.
Os investigadores deste grupo vêm de saberes académicos diversos como Geografia, Sociologia, Planeamento, Aquitetura e Antropologia.
Christopher Philipson explica que há “enormes contrastes” entre as cidades do hemisfério Norte ou as do hemisfério Sul no tratamento da questão. Mas envelhecer nas grandes cidades não é pior do que envelhecer em meio rural, ressalvou. “As zonas rurais podem trazer problemas consideráveis para os mais idosos, especialmente com a migração dos mais jovens para as zonas rurais. Em contraste, importa destacar as vantagens da vida citadina, nomeadamente o acesso a um vasto leque de atividades culturais, equipamentos de lazer e cuidados médicos especializados”.
O investigador britânico concluiu que “o trabalho ‘age friendly’ deve focar-se em maximizar os benefícios da vida urbana e minimizar as ameaças que esse ambiente pode trazer”. “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”: uma estratégia O Programa “Lisboa, Cidade de Todas as idades”, da Unidade de Missão da SCML, tem uma visão estratégica e em que “organizações cruciais à vida da cidade, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a PSP, a Administração Regional de Saúde e a Segurança Social assumem o papel de parceiros-chave alavancadores de processos integrados e colaborativos com envolvimento de toda a rede social de Lisboa”, explicou Mário André.
Uma visão estratégica para Lisboa que “já produziu resultados importantes como é o caso do Projeto Radar (que tem como prioridade a promoção de bairros mais solidários, comunicativos e atentos à população com mais de 65 anos em situação de risco de isolamento e de solidão não desejada) mas também, por exemplo, na área do acesso aos transportes, à saúde e aos bens culturais”.
Segundo o diretor da Unidade de Missão falta criar a estrutura organizativa do programa – o Centro Local de Informação e Coordenação de Lisboa (o CLIC-Lx). O Centro vai permitir “melhorar a sistematização, planeamento e avaliação das medidas no Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades”.
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