MAI 27, 2022
André Rito - Expresso. Confira matéria original aqui.
O Conselho Consultivo do projeto Longevidade reuniu-se pela primeira vez no dia 16 de maio. No final, as conclusões foram alinhadas: vivemos mais anos, mas com menos saúde Nuno Fox
Futuro. Portugal pode, a curto prazo, tornar-se um país de idosos. É preciso melhorar o acesso aos cuidados de saúde, adaptar o trabalho sénior e aumentar a literacia financeira. E aproveitar a oportunidade económica da longevidade.
É um exemplo sem grande paralelo em Portugal. Uma empresa do ramo automóvel decidiu abrir duas linhas de produção: uma destinada aos mais novos, outra para os mais velhos. Perante as dificuldades físicas dos trabalhadores com mais de 60 anos, a administração adaptou os seus postos de trabalho, introduzindo algumas inovações. “O que a empresa fez foi olhar para as dificuldades — alguns tinham problemas de visão —, utilizando lupas e outras ferramentas que lhes permitiram continuar a trabalhar”, conta Nuno Marques, do Observatório Nacional para o Envelhecimento. Resultado: a linha dos mais velhos teve melhor produtividade relativamente à dos mais novos, cujos postos de trabalho não tiveram qualquer adaptação.
Este é um dos problemas associados ao envelhecimento em Portugal. Estamos a viver mais anos, mas com menos saúde, menos trabalho e um elevado nível de dependência depois dos 65 anos. Se o envelhecimento ativo é um dos fatores essenciais para a longevidade, a verdade é que a perceção pública relativamente aos seniores não é a melhor: são vistos como pouco produtivos e meros consumidores de recursos. “Cada vez mais se fala deste preconceito e discriminação pela idade. Em pessoas com iguais competências para o mesmo lugar, as empresas tendem a privilegiar as pessoas mais novas”, afirma Luís Jerónimo, diretor de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Calouste Gulbenkian.
Em Portugal ainda se incentiva a reforma antecipada. Não apenas nas empresas mas também na Função Pública. Exemplo disso aconteceu há dois anos, quando o Governo quis “refrescar” os seus quadros, através de um programa de pré-reforma para funcionários com mais de 55 anos. Esta realidade exige, na opinião de alguns dos membros do Conselho Consultivo do projeto Longevidade: Viver Mais e Melhor, cujos membros se reuniram pela primeira vez no passado dia 16 de maio, mudanças culturais. Uma das medidas-chave, diz Nuno Marques, passa por melhorar e adaptar as condições de trabalho para os mais velhos. “Precisamos de chegar às empresas e ao próprio Estado, cujo papel é fundamental para melhorar as condições de trabalho das pessoas.”
O fim do trabalho e a passagem à reforma implica, muitas vezes, um envelhecimento mais rápido, com perda de conhecimento, dificuldades psíquicas e isolamento social. “Uma parte importante da nossa identidade e da forma como a sociedade nos valoriza está relacionada com o trabalho”, afirma Luís Jerónimo. Por outro lado, acrescenta Nuno Marques, embora as reformas antecipadas possam ser “vantajosas para as empresas”, há um capital de conhecimento que deve ser valorizado. Até porque o fim do trabalho significa muitas vezes menor inserção social, degeneração cognitiva, problemas de rendimento.
Menos autonomia, menos saúde Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo. Além disso, nota Maria Amélia Cupertino de Miranda — cuja fundação faz parte do Conselho Consultivo —, “é o terceiro país da UE com maior rácio de idosos para jovens”. “Há 159 idosos por 100 jovens. Destes, somente uma pequena percentagem é independente financeiramente. O risco de pobreza da população portuguesa era, em 2019, de 18,3%”, afirma a diretora da fundação, acrescentando que “o envelhecimento da população afetará tudo, desde economias, mercados de trabalho, saúde e Segurança Social”. A inclusão, a capacitação financeira e digital das pessoas mais velhas “tem de ser assumida como uma prioridade, tão importante como a sustentabilidade e o ambiente. Se assim não for, as pessoas mais velhas serão cada vez mais excluídas”. Voltando a uma das ideias consensuais do Conselho Consultivo: precisamos de fortes mudanças culturais na forma como olhamos para os mais velhos. “Há um preconceito enorme. Vivemos uma fase de enorme transformação. Nas próximas décadas teremos a população mais longeva de sempre e que terá de ser muito mais qualificada, financeiramente mais informada e digitalmente mais competente”, sublinha a presidente do Conselho de Administração da Fundação Cupertino de Miranda. “É necessário desenhar uma Estratégia Nacional para a Longevidade.”
Tal estratégia passará por promoção da saúde, de finanças equilibradas e do envelhecimento ativo e saudável, literacia digital e financeira. Para o médico e presidente da União das Misericórdias, Manuel Caldas de Almeida, a palavra-chave é “flexibilização”. Isto é válido tanto no trabalho sénior como na vida pós-laboral e no acesso aos cuidados de saúde. A questão dos cuidadores — formais ou informais — é também fundamental para que a longevidade seja vivida com saúde. E as alterações demográficas exigem igualmente uma mudança na forma como está organizado o sistema de saúde.
“É preciso virar o sistema. O que temos como organização no apoio domiciliário e aos lares está ultrapassado. Temos de ter apoio ao domicílio em coisas muito mais prosaicas que tenham a ver com qualidade de vida, e nos lares com componente técnica”, afirma o médico. “Se eu gosto de viver a vida à minha maneira, almoçar à hora que me apetece, estar com os meus amigos, os lares têm de se adaptar, cuidando das pessoas, mas dando-lhes a qualidade de vida das tais coisas prosaicas. Os mais velhos foram apanhados de surpresa, não estavam à espera de serem tão velhos. E não se prepararam para isso.”
P&R QUANTAS PESSOAS EM PORTUGAL CONTINUAM A TRABALHAR DEPOIS DOS 65?
8,6% do total da população ativa. Existe no país a cultura da pré-reforma, que é mais vantajosa para as empresas— deixam de pagar salários.
A REFORMA É OBRIGATÓRIA? Não. Depois de atingir a idade da reforma — 66 anos e sete meses —, o trabalhador pode optar por continuar a trabalhar: os contratos não se extinguem.
OS MAIS VELHOS SÃO MENOS PRODUTIVOS? A produtividade aumenta geralmente até os trabalhadores entrarem nos 40. A partir daí, decai e acentua-se.
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