JUL 13, 2022
Grupo Independente. Confira matéria original aqui.
Cerca de 19% da população gaúcha já passou dos 60 anos
Foto: Maria Eduarda Ferrari
Armando está parado na pequena sacada do apartamento com vista para nada, ou para os fundos de tudo. Do oitavo andar do prédio ele cospe e fica acompanhando a trajetória da cuspida, até vê-la cair sobre o telhado sujo de um prédio embaixo. Intimamente, ele pergunta por que não se joga também. Armando tem a sensação de ser um ator esquecido no palco da vida. A peça acabou, todos se foram, não há com quem contracenar.
Armando vive em um mundo do qual não quer fazer parte. Neste mundo não tem lugar para ele.
Lembra do interior da sua Arvorezinha, o lugar onde se criou e viveu a vida adulta. Uma profunda saudade lhe invade o peito. Em vez dos espaços largos do potreiro, lavoura, terreiro, ele se vê confinado neste apartamento minúsculo. Contra a vontade mora com o filho, a nora e os netos. Em vez do seu quarto antigo, ele dorme no sofá da sala. Aqui, não se interessa por nada. Quase não fala. Só pensa em voltar para Arvorezinha. O filho acha que ele não tem condições de morar sozinho. Mas ele quer voltar. Assim não vale a pena viver. Melhor, morrer.
A história de Armando é ficcional. Aparece no livro “Porque os olhos não envelhecem”, de Sílvio Farias, que foi lançado no mês de maio último. Sílvio Farias é mais conhecido como pintor de quadros e como professor de pintura, mas escreveu esse livro comovente: “Porque os olhos não envelhecem”.
Triste pensar que a história de Armando não existe só no livro de Sílvio Farias, que não é uma história isolada. Pode haver milhões de velhos em situação semelhante. Acontece que o envelhecimento populacional é uma das mais significativas transformações sociais do século XXI e não estamos aparelhados para lidar com esta nova realidade.
No Rio Grande do Sul, na década de 1970, 5,8% da população tinha mais de 60 anos. Em 50 anos, esse número mais do que triplicou. Atualmente, cerca de 19% da população gaúcha passou dos 60 anos. Com esse percentual, nosso estado detém o mais alto índice de envelhecimento no Brasil. Várias causas contribuem. Entre elas destacam-se o aumento da longevidade, a diminuição dos nascimentos e o êxodo de jovens.
Para efeitos de comparação, podemos olhar para a Suécia, um país da Escandinávia. Na Suécia hoje os velhos somam 20,33% do total de habitantes. Esse contingente todo fica sob a supervisão dos municípios. Os idosos podem escolher entre morar em residências coletivas ou continuar na própria casa. Se permanecem na sua casa, eles recebem assistência social na medida de sua necessidade. Isto quer dizer que, qualquer que seja a opção, os velhos contam com a proteção do poder público.
A comparação com a Suécia, ajuda a enxergar como estamos longe de garantir o apoio necessário aos idosos. O assunto é tanto mais aflitivo, porque a Organização Mundial da Saúde diz que 15,7% da população idosa está submetida a algum tipo de violência.
Enquanto a situação dos idosos não melhora entre nós, livros como este de Sílvio Farias chamam a atenção para as dores da velhice. Livros assim nos prestam um grande favor. Ajudam a compreender mais profundamente temas e emoções que só conhecemos de forma confusa e superficial.
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