JUL 20, 2022
Renata Turbiani - Futuro a Saúde. Confira matéria original aqui.
Os esforços dos negócios neste segmento passam por tecnologias potencialmente revolucionárias, como biotecnologia, terapias genéticas, implantes de microchips e nanorobótica, que visam a “cura” dos principais fatores que levam ao envelhecimento
Em razão das quedas acentuadas das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida – aliados aos avanços da tecnologia e da ciência –, o número de idosos (com idade acima de 60 anos) não para de crescer. O envelhecimento da população tem promovido transformações importantes na sociedade e atraído a atenção de empresas para um mercado potencial na casa de trilhões.
No Brasil esse processo de transição demográfica evolui rápido: hoje, cerca de 38 milhões de pessoas têm 60 anos ou mais, o que corresponde a quase 18% da população. Em 2030, a expectativa é que esse público supere o de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos – nos estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, inclusive, isso já é uma realidade.
Não à toa, novidades de todos os tipos têm surgido para atender este público, que não apenas está vivendo mais, mas de forma mais saudável e produtiva e, ao mesmo tempo, tem demandas e expectativas diferenciadas e específicas. “Estamos passando por uma revolução que nos obriga a revisitar conceitos, quebrar padrões e discutir tabus. Para os mais estratégicos, é nesse oceano azul da longevidade que reside as grandes oportunidades para o futuro”, afirma Layla Vallias, cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing focada no consumidor sênior.
Mercado de trilhões
Ela pontua que a chamada Economia Prateada (soma das atividades voltadas exclusivamente para as necessidades da população sênior), segundo estimativas da Data8 – lab de dados de longevidade do Hype50+ –, movimentou US$ 15 trilhões no mundo em 2020, mais que o PIB (Produto Interno Bruto) da China (US$ 14,7 trilhões). Na América Latina, o valor chega a US$ 3 trilhões por ano e, no Brasil, a R$ 2 trilhões.
“Essa conversa fica ainda mais interessante quando englobamos a Economia da Longevidade, que não olha somente para a população 50+, 60+, mas para a extensão da vida como um todo. Esse mercado foi calculado pela primeira vez no ano passado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), e o valor a que se chegou [apenas para os Estados Unidos] foi de US$ 38 bilhões”, relata a especialista.
Os esforços dos negócios neste segmento passam por tecnologias potencialmente revolucionárias, como biotecnologia, terapias genéticas, implantes de microchips e nanorobótica, que visam a “cura” dos principais fatores que levam ao envelhecimento ou mesmo à morte. É o que aponta o relatório TrendBook Negócios, de 2020, realizado pelo FDC Longevidade, projeto desenvolvido pela Fundação Dom Cabral (FDC) com apoio técnico do Hype50+ e patrocínio da Unimed-BH.
Muitas dessas inovações ainda estão na fase de desenvolvimento e podem demorar anos para chegar ao consumidor – ou até mesmo nunca chegar. Mas, ainda assim, já há uma gama de produtos sendo lançados e desfrutados pelos idosos, principalmente no setor de gerontecnologia, ou seja, de tecnologia voltada para o envelhecimento.
A vez das startups
Por mais paradoxo que possa parecer, a maioria das companhias que atuam neste segmento é formada por jovens startups. No mundo, algumas das iniciativas mais promissoras são a Cera+ (Inglaterra), fornecedora de cuidados de saúde em home care, e a Intuition Robotics (Israel), desenvolvedora do robô de cuidados proativos Elliq, voltado à promoção da independência dos mais velhos.
No caso específico do Brasil, o país vive um crescimento acelerado em ações inovadoras para a economia da longevidade. Um levantamento apresentado em 2020 pela Pipe.Social, vitrine de negócios de impacto, mapeou 343 empresas focadas nos maduros. Elas trabalham com produtos e serviços que vão de aplicativos para gestão do cuidado, passando por soluções para construção de cidades inteligentes e experiências para bem-estar até suporte para planejamento do fim da vida.
Dentre as que operam especificamente na área da saúde (física e mental) estão a Sênior Concierge, prestadora de cuidados para os 60+, com atendimento nos locais onde eles preferem viver, a Gero 360, que oferece soluções tecnológicas para simplificar o cuidado e contribuir com a longevidade, e a ISGames, que utiliza jogos como ferramentas para estimulação cognitiva, física e social.
“O mercado do envelhecimento, da longevidade, é gigantesco, e as startups voltadas para os idosos têm ocupado um espaço muito importante e ainda não explorado pelas políticas púbicas. Sou mentora de algumas delas e já vi surgirem iniciativas bem interessantes, como soluções de estimulação cognitiva e produtos de acessibilidade e assistência”, comenta Sandra Regina Gomes, especialista em gerontologia, mestre em Gestão e Políticas Públicas e fundadora e diretora da Longevida, consultoria na área do envelhecimento.
Conhecer o público é fundamental
Apesar de pontuar a relevância desses empreendimentos, Sandra observa que, para que sejam verdadeiramente eficientes, é fundamental que seus gestores façam um curso de Gerontologia. “Quem quer trabalhar com o público 50+ precisa se preparar. Hoje, não dá mais para falar com essas pessoas de qualquer jeito, oferecer qualquer negócio, até porque existe uma heterogeneidade na velhice, o que significa que cada etapa tem as suas características e especificidades. As pessoas envelhecem de forma diferente, e as empresas precisam saber lidar com isso”.
Verônica Bohm, coordenadora do Instituto de Longevidade, do programa UCS Sênior e do curso de especialização Envelhecimento e Saúde do Idoso, todos projetos da Universidade de Caxias do Sul (UCS), defende o mesmo caminho: “Assim como tem o velho superativo e saudável, tem aquele que está em casa acamado, e por vezes desassistido. Cada um tem as suas necessidades e todos nós temos de estar de olho nisso”.
Para buscar soluções para esses públicos, e incentivar que alunos das diferentes áreas de conhecimento contribuam para novos avanços, a professora, junto com o colega Roberto Luis Bigarella, teve a ideia de realizar na faculdade a Mostra Acadêmica sobre Envelhecimento Humano – a apresentação dos trabalhos será em agosto.
“Geralmente, as questões do envelhecimento estão muito a cargo da saúde. Mas este é um tema muito mais abrangente. Então, decidimos promover um evento para que alunos de todos os cursos de graduação da USC pudessem pensar nele e se sensibilizar”, relata Verônica.
Outra ação da especialista foi o Projeto iNOVA 60+, um processo de seleção, pré-aceleração e busca de investidores para startups com produtos e serviços inovadores e tecnológicos voltados para o envelhecimento humano saudável.
Lançado no segundo semestre do ano passado, o programa contemplou trabalhos voltados a atender demandas nas áreas de atenção à saúde (prevenção, monitoramento e tratamento), mobilidade (deslocamento doméstico ou em locais públicos) e acessibilidade (em atividades cotidianas, lazer e serviços). Elas foram determinadas a partir de um levantamento feito diretamente com idosos e com profissionais que os atendem.
“A população brasileira está envelhecendo de forma acelerada, então, precisamos propor alternativas e soluções para que a sociedade dê conta das novas necessidades deste público”, pontua a professora. Dentre as ideais propostas no iNOVA 60+, duas foram selecionadas e estão sendo desenvolvidas: uma delas é de monitoramento de pacientes renais e, a outra, um aplicativo de transporte.
“Temos visto cada vez mais pessoas se especializando em atender os idosos e propondo soluções focada em longevidade, mas ainda há muito a ser explorado. Para acelerar esse movimento, algo que precisa ser feito é a atualização dos currículos das universidades em geral. Os futuros profissionais precisam de capacitação para lidar com essa transformação que estamos vivendo”, afirma Verônica.
Gigantes também estão de olho no envelhecimento da população
Além das startups, gigantes da tecnologia estão de olho no potente mercado da longevidade. A Apple, por exemplo, por meio do seu smartwatch, lançou recursos de detecção de queda, monitoramento de ritmo cardíaco e compartilhamento da localização com familiares.
A Amazon, por sua vez, tem aprimorado cada vez mais a sua assistente virtual Alexa para atender os idosos e seus familiares. Dentre as muitas funções do dispositivo, estão lembretes dos horários dos remédios, monitoramento à distância e acesso à profissionais de saúde.
Pelo mundo, vários empresários bilionários, como Larry Ellison, fundador da Oracle, Peter Thiel, cofundador do PayPal, e Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, também têm disponibilizado centenas de milhares de dólares para pesquisas de combate ao envelhecimento e morte e busca da eliminação, da cura e da prevenção de doenças.
O mais recente investidor nessa área é a família real da Arábia Saudita. Em 2021, a realeza do país anunciou o lançamento da Fundação Hevolution, uma organização sem fins lucrativos que planeja investir até US$ 1 bilhão por ano de sua riqueza para promover o avanço global da gerociência (área de estudo que investiga os mecanismos celulares e genéticos ligados ao envelhecimento e ao surgimento das doenças crônicas).
A missão da entidade é prolongar a vida saudável para o benefício de toda a humanidade. Para isso, financiará pesquisas básicas de longo prazo, acelerará o desenvolvimento de novos medicamentos, expandirá as aplicações terapêuticas dos medicamentos existentes e, ao longo do tempo, garantirá que as inovações na ciência e na medicina relacionadas à idade sejam acessíveis a todos em todo o mundo.
A fundação ainda não divulgou em quais projetos está trabalhando, mas uma reportagem do MIT Technoloy Review aponta que estão nos planos investir em uma tecnologia de reversão de idade e em um teste, com milhares de idosos, do medicamento para diabetes metformina.
Moradias inteligentes e conectadas
Se antes os mais velhos tinham muitos filhos e netos que poderiam exercer a função de cuidadores, hoje isso não é mais a regra. As famílias a cada ano ficam menores e, diante disso, a questão da política de moradia ganhou relevância. No Brasil, já são mais de 4 milhões de 60+ que vivem sozinhos, de acordo com o IBGE. Só na cidade de São Paulo, são mais 290 mil pessoas, e dessas, 22.680 têm mais de 90 anos.
“Com o envelhecimento, a tendência é que tenhamos um aumento nos casos de doenças crônicas, degenerativas e cânceres. Isso significa que teremos de desenvolver novas estratégias visando a promoção de saúde e a prevenção dessas enfermidades. E, nesse sentido, as moradias inteligentes e conectadas farão a diferença. Elas serão a unidade funcional para a gestão da qualidade de vida”, avalia Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e líder do Grupo USP de Pesquisa em Telemedicina, Educação Digital e Saúde Conectada.
Este tipo de habitação, explica o professor, deverá contar com estações de tele home care (ou telecuidado domiciliar) para facilitar o contato entre o paciente e o profissional de saúde e promover o acompanhamento à distância; robôs de telepresença, inclusive para que os familiares possam participar mais ativamente do dia a dia dos idosos; e aparelhos e sensores que promovem, por exemplo, o monitoramento dos sinais vitais.
No caso dos condomínios de casas ou prédios, eles ainda poderão ser equipados com health center, espaços de convivência e hobby, estruturas de incentivo à prática de atividade física e até mesmo áreas humanizadas focadas no fim da vida.
“Precisamos cada vez mais oferecer às pessoas um ambiente saudável para que elas adotem um novo estilo de vida e possam viver os anos a mais com independência e autonomia. Os arquitetos e os engenheiros têm de fazer parte dessa cadeia de cuidado”, indica Chao. “Num primeiro momento, as casas inteligentes e conectadas focadas em promoção da saúde e bem-estar acabam sendo voltadas para quem tem melhor poder aquisitivo, contudo, com o barateamento das tecnologias e o avanço do 5G, não tenho dúvidas de que em breve também farão parte da estratégia pública de saúde”, completa o professor.
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