FEV 03, 2022
Everaldo Barreto - Século Diário. Confira matéria original aqui.
A proximidade da partida e seus reflexos
Embora a maioria das pessoas não goste de falar nem mesmo pensar na morte, ela, até hoje, é fato incontestável para todos os viventes.
O distanciamento proposital do assunto talvez seja o elemento principal do despreparo, comum e geral, para lidar com a situação, não só da própria finitude, mas também com a partida de pessoas amadas.
A verdade é que a má elaboração do tema é uma questão absolutamente consciente, mais que isso, teimosa, de alguém que conhece a verdade e não se apropria dela, preferindo a ilusão. Como consequência óbvia, vem o desespero, o inconformismo e a revolta.
Nascemos caminhando para a morte. Quando o curso natural não é interrompido por alguma fatalidade, temos que assistir lentamente sua aproximação por meio do envelhecimento. As limitações começam a aparecer e se intensificar.
Alguns poucos se preparam conscientemente, porém, a maioria não se conforma, não se respeita, apela para todos os subterfúgios que prometam ou simplesmente aparentem rejuvenescimento. Naturalmente, o envelhecimento, ainda mais que a morte, proporciona incômodos e inconformismos diversos, seja pela redução da força, vitalidade, percepção perspicácia, e até da importância no meio social.
O que efetivamente importa, mas não convence, é que a única alternativa para fugir do envelhecimento e suas consequências é morrer cedo. O que ninguém quer!
Assim sendo, nos resta a busca dos pontos positivos do envelhecimento e o desfrute das grandes mudanças que o tempo de vida proporciona. Novos prazeres, novas formas de encarar o mundo, os conflitos, dosar expectativas, ou ainda a perda do interesse por diversas coisas que antes importavam muito.
Às vezes acontecem pequenas mudanças que o próprio sujeito nem percebe, noutras, são mudanças tão radicais que ele mesmo se espanta. Existem também as mudanças íntimas, tendo em vista o amadurecimento da visão do mundo, muitas vezes o melhor acesso ao consumo e a uma posição de referência, mesmo que do mundo velho.
Bem, depois de toda a elaboração do envelhecimento, vou focar na morte. Em algum momento, tudo termina. Na sequência natural do mundo, o que termina não é extinto, mas transformado em outra coisa. O problema é entender ou alcançar o produto desta transformação, que não se refere só ao corpo, mas também à inteligência que o habita, já partindo para as questões metafísicas, às quais ainda mais ignoramos.
Como o novo sempre impacta, rompe a acomodação e, neste caso, exige movimento existencial, somente a busca de uma vida autêntica, reflexiva e absolutamente humana pode garantir um envelhecimento maduro, que enxergue as limitações como próprias da idade e da necessidade de ir se importando cada vez menos com coisas que já foram importantes em outros momentos da vida, mas que em seu entardecer já não o são.
À parte as convicções religiosas, é esta consciência que pode trazer uma serenidade que venha a facilitar a aceitação e, porque não dizer, o desfrute do envelhecimento e da finitude como um mergulho na escuridão do desconhecimento.
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