MAR 21, 2022
Juciara Vieira Cardoso e José Milton Cardoso Junior - Estado de Minas. Confira matéria original aqui.
Pesquisa da OMS mostra que uma a cada duas pessoas que havia ultrapassado os 50 anos já tinha sofrido alguma forma de preconceito ligado à sua idade
Foto: Pixabay
Faz menos de três décadas que as diversas formas de preconceito passaram a ser tratadas pelas pessoas como algo inconveniente, inoportuno e capaz de trazer diversos males aos seus alvos. O que antes era visto como “brincadeira” passou a ser percebido por nós como algo que merece ser combatido, já que não temos dimensão do mal que fazemos aos outros quando os tratamos de forma preconceituosa.
Apesar de haver muito a ser feito, não se tem dúvida dos grandes avanços que alcançamos quando o assunto é preconceito. Hoje as pessoas sentem-se mais livres para se expressar e se autoafirmar como sujeitos: seja em razão de seu gênero, da sua cor, da sua raça, da sua origem ou da sua sexualidade. Mas o caminho não foi fácil, foram muitas campanhas publicitárias, debates públicos oficiais e extraoficiais, modificações normativas criminalizando condutas preconceituosas, isto só para citar alguns exemplos. No entanto, há uma espécie de preconceito, muitas vezes velado, sobre o qual não falamos muito, pois o compreendemos como parte natural do processo de envelhecimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) o chamou de etarismo, mas também é conhecido como idadismo ou ageísmo. Tal espécie de preconceito é mais acentuada com o avançar da idade, mas pode muito bem ser notada a partir dos 45/50 anos e diz respeito a uma diminuição social do indivíduo em razão de sua idade.
A OMS elaborou o Relatório Global Sobre Preconceito Etário, cuja finalidade é a de combater os estereótipos ligados à idade, e concluiu que uma a cada duas pessoas que havia ultrapassado os 50 anos já tinha sofrido alguma forma de preconceito ligado à sua idade. O mais perturbador do Relatório é a conclusão de que o preconceito ligado à idade pode trazer uma considerável piora na saúde física e mental das pessoas, como ocorre com todas as formas de preconceito e razão pela qual eles precisam ser combatidos.
O etarismo pode acontecer por meio de frases nada inocentes, repetidas à exaustão, principalmente vindas do núcleo de convivência mais próximo da pessoa, tais como “você já é velha ou velho para usar esta roupa ou para frequentar determinados lugares”, “não dá mais tempo de você fazer isto”, “sua época já passou” e a mais comum “você está muito bem para a sua idade”, como se cada idade tivesse um roteiro pré-determinado que todos os que estão em processo de envelhecimento devessem seguir. Tais frases, principalmente quando dita por pessoas que amamos, causa um profundo desconforto e nos faz questionar nossa capacidade de sempre nos desafiar, independentemente da idade.
O preconceito ligado à idade está presente nas recorrentes entrevistas de emprego que a pessoa maior de 45/50 anos faz e nunca é contratada, apesar do seu currículo. Ele nos espreita na fila do supermercado, quando estamos passando as compras no caixa e o jovem atrás da fila se mostra decididamente impaciente e faz questão de nos mostrar que a lentidão é resultado da nossa idade. Ele está no “esquecimento público” das pessoas que já ultrapassaram determinada idade. Enfim, ele está no nosso cotidiano de modo tão normal, que muitas vezes nem percebemos o quanto nossas ações com as pessoas mais velhas podem ser mesquinhas e preconceituosas.
Idosos com mais idade sofrem ainda mais que os que estão iniciando o processo de envelhecimento, já que a corrente ideia de que eles voltam a ser criança pode fazer com que parentes e familiares retirem deles o direito de gerir a própria vida, ainda que tenham plena condições de fazê-lo. Isto está ligado ao fato de que o avanço da idade está atrelado a certos estereótipos, que são extremamente prejudiciais para as pessoas que já iniciaram o processo de envelhecimento.
Dores e queixas destes idosos podem ser facilmente negligenciadas, pois os seus próximos podem passar a rotular todas as suas manifestações queixosas como decorrentes da idade e, portanto, normais. O estereótipo de que velho tem dor mesmo e não há nada a ser feito faz com que a saúde destas pessoas tenha pior evolução do que a dos mais jovens.
O artigo intitulado O Etarismo e a velhice: revisão das publicações nacionais, apresentado no Congresso Nacional de Envelhecimento Humano, concluiu que é comum que a velhice seja percebida pelos membros da sociedade ou como uma fase de grande sabedoria ou como uma fase de enorme dependência e exclusão social, e sugere que precisamos modificar as representações sociais frente ao envelhecimento para que a discriminação deixe de ser automática e tão presente em nosso cotidiano. Segundo os autores, as limitações dos idosos são muito mais resultado de limitações impostas pelos meios sociais em que vivem do que advindos da idade propriamente dita.
O combate a esse mal é responsabilidade de todos, mas principalmente nossa, que já iniciamos nosso processo de envelhecimento. Somos nós que devemos começar a lutar pela desconstrução dos estereótipos ligados à idade, demonstrando a todos os que nos cercam que o passar do tempo é algo natural a todos e isto não pode implicar em uma diminuição do nosso papel social, uma perda de autonomia ou uma infantilização do sujeito idoso.
O tempo passa sim e não devemos - e não queremos - lutar contra ele. Mas podemos – e queremos – ter o direito de ser a melhor versão de nós mesmos com a idade que temos, sem que sejamos cobrados a nos encaixar em estereótipos ultrapassados. Queremos ainda trabalhar, ser reconhecidos por nossas ações, sair, dançar, viajar e construir coisas que em outros tempos não nos foi possível, isto sem que ninguém nos diga que nosso tempo já passou, pois, como há muito já nos ensinava o Clube da Esquina, nós até podemos envelhecer, mas sonhos, esses nunca envelhecem.
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