AGO 31, 2022
Fernanda Lanzarin - nd+. Confira matéria original aqui.
Em oito décadas, o brasileiro ganhou 31,3 anos na expectativa de vida. Tendência gera efeitos importantes no futuro da saúde: “Repensar a velhice” será fundamental
Em 1940, segundo dados do IBGE (Instituto de Geografia e Estatística), a expectativa de vida da população brasileira era de 45,5 anos, sendo 42,9 para homens e 48,3 anos para mulheres. De lá para cá, a longevidade tem se tornado uma particularidade marcante no desenvolvimento da sociedade.
De acordo como IBGE, se não houvesse a crise de mortalidade provocada pela Covid-19 em 2020,a expectativa dos brasileiros ao nascer seria de 76,8 anos para o total da população. Em oito décadas, o brasileiro ganhou 31,3 anos a mais na expectativa de vida.
Essa propensão de viver mais deve permanecer no futuro. Como sintetiza Ana Maria Justo, coordenadora do Neti (Núcleo de Estudos da Terceira Idade): “Essa tendência surge, justamente, de um acesso maior aos cuidados de saúde. Há tecnologias que nos permitem tratar doença sou então, conviver com elas por um período longo, especialmente as crônicas”.
Em oito décadas, o brasileiro ganhou 31,3 anos na expectativa devida. – Foto: ANDERSON COELHO/ND O acesso aos cuidados à saúde e as tecnologias que auxiliam nos tratamentos proporcionam qualidade de vida e, sobretudo, vivências mais dignas e longas. Mas junto a isso, a sociedade apresenta uma nova forma de organização.
Modificando suas estruturas desde o planejamento familiar. Enquanto os adultos vivem mais, os nascimentos são cada vez menores. Ou seja, a taxa de natalidade no Brasil apresenta queda há seis anos, e se intensificou durante a pandemia de Covid-19.As famílias menores são uma característica que há algum tempo tem destacado as sociedades de países desenvolvidos.
No Brasil, não é diferente. Os dados revelam que essa propensão ocorre aceleradamente, como explica a coordenadora do NETI. “A gente tem a característica da velocidade desse envelhecimento ser maior do que a velocidade com a qual ele aconteceu, por exemplo, na Europa, nos Estados Unidos, ou em outros países”.
Com cada dia menos crianças, famílias pequenas e longevidade, o que podemos esperar das características demográficas do futuro é uma composição populacional de mais idosos e menos jovens.
A sociedade está preparada? No censo de 1991, o Brasil tinha 146milhões de pessoas e hoje possui cerca de 213 milhões. A ciência contemporânea e os avanços tecnológicos proporcionaram uma vida mais longa e, consequentemente, a população aumentou em número de habitantes. Essa é uma realidade crescente, o tempo está passando e a cada ano temos mais idosos no corpo social. No entanto, as estruturas do nosso país ainda não estão desenvolvidas para oferecer o amparo necessário diante da situação.
O professor titular de saúde pública da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Sérgio Torres de Freitas explica: “Há poucos profissionais especializados, poucas políticas públicas orientadas para este setor e baixo nível de planejamento para o médio e longo prazo. E além disso, as soluções existentes no mercado privado são muito caras e pouco acolhedoras, mostrando que estamos longe de uma situação confortável”.
Para um futuro de amparo, acolhimento e respeito aos idosos, a aposta é investirem espaços de qualificação e naturalizar o envelhecimento. “Precisamos investir e, tem outra coisa fundamental, necessitamos superar o preconceito e a discriminação. Lidamos muito mal com esse processo, temos que perder o medo de envelhecer”, destaca Ana Maria Justo.
A inversão da pirâmide etária no país já está em progresso, como os dados comprovam. Por isso deve-se repensar como lidar com este cenário no futuro, explica a enfermeira especialista em geriatria e gerontologia, Mayara Ana da Cunha. “Há necessidade de repensar o modelo de saúde que vivemos, instaurado na sociedade. Que tem como referência apenas tratamento com remédio e internações hospitalares. No âmbito do financiamento desses programas ainda existe muito para desenvolver”.
Envelhecimento, recorte social e racial
Se por um lado, as dificuldades da população idosa são observadas em um contexto geral. Quando fazemos um ‘recorte’ social, surge a questão: será que todos estão envelhecendo da mesma forma?
A resposta é não. Como explica a coordenadora do NETI. “No Brasil o envelhecimento ainda é um fenômeno muito desigual. A gente tem a classe média envelhecendo de uma forma e as pessoas menos favorecidas envelhecendo com uma qualidade de vida muito menor. A gente tem uma diferença racial, importantíssima também no Brasil. Com mais idosos brancos do que negros. Isso é interessante pensarmos, pois proporcionalmente temos metade da população negra”, diz ela.
Os impactos no SUS e na assistência médica Repensar a velhice. Essa é uma das etapas que a população e as instituições devem se habituar cada vez mais a realizar.
A aposentadoria, a mão de obra, a previdência, entre outras áreas, ganham um novo sentido diante de uma proporção maior de idosos. Entre esses setores está a saúde.
O envelhecimento demográfico é uma importante conquista, pois significa que as pessoas estão vivendo mais. Os principais fatores para isso ocorrer são os avanços na medicina. Longevidade e saúde, caminham juntos. Por isso, sistemas como o SUS e os planos particulares de assistência médica devem acompanhar as mudanças.
“Precisamos preparar o sistema de saúde para receber essas pessoas orientado por suas necessidades. Desde as áreas físicas de unidades de saúde até residências de idosos com diferentes graus de dependência, passando por equipamentos diagnósticos e terapêuticos, medicamentos, entre outros”, explica o professor Sérgio Torres.
Saúde mental está ligada ao ambiente A região onde vivemos influencia na expectativa de vida? Segundo algumas pesquisas, sim. A conclusão deu origem ao termo Blue Zones, como são denominadas regiões geográficas cujos habitantes atingem idades mais elevadas.
Apesar de não ser considerada uma dessas regiões, ainda assim, Santa Catarina se destaca nas estatísticas. A diferença entre a expectativa de vida no Brasil e em Santa Catarina é de mais de três anos. Especialista em gerontologia, Kátia Simone Ploner destaca que, além desses outros fatores influenciam para que a população viva mais. “Engajamento social, alimentação saudável e incentivo à atividade física”, explica.
O ‘desembalar menos e descascar mais’ pode ser uma das soluções, mas além desses fatores a saúde mental também contribui para a longevidade. “A escola é o espaço da criança, o mundo do adulto é o ambiente de trabalho e qual é o mundo da pessoa mais velha? É ficar em casa? A gente precisa ter um espaço social para que essas pessoas se sintam pertencentes”, explica Kátia.
É importante a implementação de grupos e atividades voltadas para esse público: canto, bocha, pintura, tecnologias… “É necessário que esse idoso saia da sua casa, que ele tenha convívio com outros idosos, se movimente e faça parte de programas educacionais para a terceira idade. Precisamos de programas voltados à educação e saúde dessa população e da população em geral relacionado ao envelhecimento” explica a especialista Mayara Ana da Cunha.
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