MAI 31, 2022
Sara Tarita - Expresso. Confira matéria original aqui.
Dados do INE revelam que a classe médica está a envelhecer. Relatório divulgado em abril destaca que médicos com mais de 65 anos são a faixa etária que “mais tem aumentado nos últimos anos”
Em 2020 estavam inscritos na Ordem dos Médicos mais de 57 mil profissionais. O número equivale a 5,6 médicos por mil habitantes, uma percentagem que aumentou relativamente a 2020. Mas, analisando os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) por grupo etário, conclui-se que a classe médica está a envelhecer: metade dos especialistas tem mais de 61 anos. E no total dos médicos no ativo – incluindo especialidades, subespecialidades e outras competências – quase 20% têm mais de 60 anos.
Estes são alguns dos dados que constam do relatório anual “Estatísticas da Saúde”, com informação relativa a 2020 e revelado no passado mês de abril. Organizado em seis capítulos – Estado da saúde; Hospitais; Farmácias e medicamentos; Pessoal de saúde inscrito; Partos e Conta satélite da Saúde -, o documento destaca que no final de 2020 trabalhavam nos hospitais portugueses 26 mil médicos, a maioria dos quais especialistas (78,8%).
Contactado pelo Expresso, o bastonário da Ordem dos Médicos afirma que o número de novos clínicos inscritos tem aumentado todos os anos. “Quando cheguei a bastonário, o número de internos por ano era de 1550. Neste momento são 1950”, disse José Guimarães. “Temos aumentado a nossa capacidade formativa.” No entanto, continua, “os médicos seguem um pouco a pirâmide demográfica portuguesa, temos profissionais mais velhos, com todos os problemas que isso acarreta.”
Medicina geral e familiar (2.685 médicos), pediatria (672), medicina interna (671), ginecologia e obstetrícia (670) e cirurgia geral (646) são as cinco especialidades que concentram o maior número de médicos acima dos 65 anos. No grupo etário entre os 61 e 65 trabalham 1.770 especialistas em medicina geral e familiar, 365 em medicina interna e 336 em medicina do trabalho. “Temos aumentado o número de médicos formados todos os anos, ainda assim não são suficientes para compensar os que estão a sair.”
MÉDICOS EMIGRANTES E NO PRIVADO Duas razões explicam o menor número de médicos a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS): os que trabalham exclusivamente no sector privado e os que emigram “para a Europa e Médio Oriente”. Para o bastonário da OM, é preciso criar condições mais atrativas para fixar profissionais no SNS. “Temos hospitais em todas as cidades, centros de saúde em todos os concelhos, mas precisamos de oferecer melhores condições de trabalho. É uma forma de fazer com que estes jovens fiquem no SNS”.
“Todos os anos abrem concursos de medicina geral e familiar. Mas, no ano passado, 40% das vagas ficaram por preencher”, disse José Guimarães, acrescentando que “muitos médicos atingem a idade da reforma este ano.” Para Rui Tato Marinho, diretor do serviço de gastrenterologia do Hospital de Santa Maria, e recém-nomeado diretor nacional para as hepatites virais, os médicos mais velhos são “um capital muito importante”. “Um especialista com 60 anos tem experiência, capacidade para ensinar, e deixa um legado fundamental. Os 60 anos de agora são os novos 50, e há muitos profissionais destas faixas etárias com enormes capacidades físicas e mentais, são o núcleo do SNS, que já foi considerado o melhor do mundo”, afirmou.
“Precisamos todos da experiência de um médico com 60 anos, que já viu muita coisa na vida, capaz de fazer diagnósticos rápidos, tal como precisamos dos médicos mais novos, que têm agilidade, mas também falta de maturidade e experiência. Daqui a 10 anos podemos dizer que 40% dos especialistas vão sair, e os que vão entrar serão menos porque não existe capacidade de substituição.”
Contactado pelo Expresso, o ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, lembra que o envelhecimento da classe médica se explica pelo grande número de profissionais formados nos anos de 1973, 1974 e 1975, antes da existência dos numerus clausus no acesso às faculdades de medicina. “É a geração que está a chegar à aposentação, e que reflete estas estatísticas.” No entanto, sublinha o ex-ministro, “o sector privado cresceu muito, consolidou-se e ocupou um lugar que dificilmente será reversível”.
“Muitas vezes os médicos vão para hospitais privados não tanto pelas condições salariais mas pelos melhores equipamentos, melhores instalações e pela própria natureza do trabalho. É preciso dar um impulso ao projeto profissional dos hospitais públicos e hospitais universitários, na sua componente de investigação” .
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