NOV 20, 2022
Edis Henrique Peres - Correio Braziliense. Confira matéria original aqui.
Desenvolvido por mestranda da Universidade de Brasília (UnB), trabalho acadêmico busca ouvir o público feminino acima de 60 anos que mora no Distrito Federal. Os dados podem orientar a aplicação de políticas públicas
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Envelhecer é um desafio individual e coletivo. Mas quando se nasce mulher e negra em uma sociedade machista e racista como a brasileira, a chegada da terceira idade vem acompanhada de dificuldades ainda maiores. Aos 67 anos, a servidora pública aposentada Maria Aparecida Mendonça relata desrespeitos diários. "Já sofri preconceito em fila de banco e até em posto de gasolina", revela, detalhando a última situação que aconteceu há cerca de dois meses. "Por ser mulher e negra, o cara (frentista) começou a abastecer todos os que estavam lá, que eram homens, para depois vir até a mim. Achei muito injusto", reclama. O desejo de conhecer a fundo as adversidades enfrentadas por essa parcela da população e produzir dados científicos que possam nortear políticas públicas motivou a psicóloga e mestranda da Universidade de Brasília (UnB) Polliana Teixeira da Silva a pedir a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição de ensino para realizar o levantamento.
Com o título "Deus é uma mulher preta? As representações sociais construídas acerca do envelhecimento de mulheres negras do Distrito Federal", o objetivo da pesquisa de Poliana é colher relatos de mulheres acima de 60 anos que moram na capital, como é o caso de Maria Aparecida. A idosa afirma que, além da cor da pele, sofre preconceito por conta da idade. "Esta semana, no shopping, quando fui estacionar, uma moça resmungou: 'Ave Maria! Não sei o que esses velhos vem fazer em shopping'. Então, por mais que existam leis, a gente continua sendo desrespeitada", nota.
A estudante autora da pesquisa considera essa abordagem importante desde a graduação. "Tenho um envolvimento forte com a temática racial e, quando entrei na psicologia, me apaixonei pela pesquisa. E então, quando estava para me formar, chegou a pandemia e durante a crise sanitária ficou muito explícito o quanto nosso país desvaloriza as pessoas idosas", observa. "A gente estima que mulheres negras têm seu processo de envelhecimento marcado por mais experiências de solidão, desamparo e sofrimento. Isso porque a velhice é um resultado de vivências de toda a vida, e a vida de mulheres negras é marcada por uma conjugação de sofrimentos devido ao racismo e machismo", destaca.
Maria Aparecida(foto: Arquivo pessoal)
Novo olhar Orientadora da pesquisa, a professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da UnB Isabelle Chariglione acredita que é preocupante, em um país em que a maioria da população é negra, não ter pesquisas que se voltem para esse grupo. "Com esse levantamento, a gente pode ouvir a história dessas mulheres e identificar as ações que devem ser feitas. A pesquisa é uma oportunidade de trazer um novo olhar, de maneira diferenciada, para falar sobre as condições de vida na nossa capital", observa. Doutora em psicologia e especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Isabelle destaca que é de "suma importância debater esse tema porque o envelhecimento é tratado de maneira heteronormativa, do homem branco europeu. Mas o que a gente observa no cotidiano é diferente".
As entrevistas começam nos próximos dias (saiba mais em Participe) e coincide com o mês da Consciência Negra, período dedicado à reflexão e debates sobre formas de se erradicar o racismo. "Na próxima semana, começamos a entrevistar as pessoas. Iremos ouvir essas mulheres nos locais que elas preferirem, em uma entrevista que deve durar 1h30. A expectativa é que, até março, os dados estejam consolidados", adianta.
Perfil A pesquisa mais recente do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), divulgada na última sexta-feira, aponta que a maioria da população que vivia na capital do país em 2021 era negra (57,3%), ante 40,9% da parcela que se declarava branca. Em relação ao público feminino, o levantamento "Raça/cor: O perfil étnico-racial da população no Distrito Federal" aponta que a maioria das mulheres da capital são negras: no ano passado, 28,7% se consideram pretas e pardas, enquanto 23,3% se autodeclaram brancas, amarelas e indígenas. Em relação à instrução, apesar de serem a maioria da população, somente 26,9% das mulheres negras com 25 anos ou mais tinham ensino superior completo, 5,1% delas não têm instrução alguma e 14,6% das negras possuem ensino fundamental incompleto. Ela vencem, ainda, quando o assunto é quem tem maior jornada de trabalho ao se considerar o trabalho reprodutivo de afazeres domésticos. O estudo é realizado a partir de dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD 2021). A costureira Diva Maria, 63, também negra, é moradora de Águas Lindas de Goiás, trabalha no Lago Norte e conta que existe uma certa dificuldade para conseguir emprego depois dos 60 anos. Ela diz que estudou até o 5º ano do ensino fundamental e trabalhou por 40 anos como diarista. De acordo com Diva, a escolha dos patrões para contratar é sempre pessoas com menos de 30 anos e brancas. "Quando eu tinha 50 anos e estava procurando emprego, uma patroa falou que preferia uma mulher de 30 anos, não eu", afirma. Ela conta que, somente depois, ficou sabendo que sofreu racismo. "Uma pessoa me contou que a mulher não me contratou porque não gostava de pessoas escuras na casa dela", revela. Colaborou Cássia Santos
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