ABR 02, 2022
Lara Hinkel - nd+. Confira matéria original aqui.
Elas falam sobre a chegada da menopausa e da velhice, os reflexos na autoestima e de que forma driblam a pressão pela 'juventude eterna' por meio da aceitação
A cultura do descarte, o estigma e o preconceito em relação ao envelhecimento são muito presentes em uma sociedade cada vez mais perseguidora de um ideal inexistente de ‘juventude eterna’. E são as mulheres as principais vítimas dessa opressão.
Lidar com comentários incapacitantes, com a menopausa e com o processo de envelhecimento em si, é, na maioria das vezes, doloroso. No entanto, muitas mulheres vêm rompendo com os padrões e enxergando, através da autoaceitação e da valorização da autoestima, a fórmula para se livrarem de tantas amarras.
Reconhecer e ocupar os espaços que são de direito das mulheres maduras, inspirá-las e incentivá-las a serem quem são, assumindo suas vivências com orgulho, são alguns dos propósitos da influencer Ceres Azevedo, de 62 anos.
Ceres Azevedo possui 62 anos e compartilha de tudo um pouco no Instagram – Foto: Reprodução Instagram/ND
“Depende de nós acreditar que podemos”, afirma Ceres, que atualmente têm 27,4 mil seguidores no Instagram.
Com um perfil voltado ao público feminino acima dos 50 anos, a gaúcha que vive em Florianópolis há quase 30 anos, apresenta um conteúdo focado em lifestyle, em que mostra de tudo um pouco: moda, decoração, beleza, gastronomia, atividade física e alimentação saudável.
“Nós temos de incentivar uma às outras. Juntas somos mais. Precisamos nos motivar e mostrar que há diversas possibilidades”, destaca.
Segundo ela, o objetivo não é colaborar com a transformação apenas das mulheres mais velhas, mas alcançar também as mais jovens, para que se espelhem e normalizem o envelhecimento no futuro.
Em seu feed, Ceres mostra que mulheres podem ser e fazer o que quiserem, independente da idade. Podem assumir os cabelos brancos, mantê-los curtinhos em um um visual ‘modernoso’ como o dela, se vestir bem, se maquiar, praticar exercícios físicos, ser adepta às cirurgias plásticas, ou não, manter as rugas… O importante é se aceitar.
Os comentários maldosos sobre a aparência – alguns como “cabelo curto é coisa de homem” ou “essa velha se acha” – não a atingem e nunca a fizeram pensar em desistir do seu trabalho e intuito.
“A gente tem que se sentir bem e segura. Os comentários vêm de qualquer jeito. Me descobri como mulher e nunca imaginei que iria me reinventar aos quase 60 anos”, completa.
Como tudo começou
Apesar dos altos e baixos ao longo da vida, Ceres afirma que sempre foi uma pessoa para frente. No entanto, o sucesso na internet não aconteceu da noite para o dia. Ela precisou se reinventar após descobrir uma doença, a espondilite anquilosante, que afeta a coluna vertebral e as articulações.
Por conta disso, não tinha mais condições físicas de trabalhar. Na época, trabalhava com gastronomia, área que ama, e chegou a abrir um café, o “Ceres Azevedo & Cia”. Com o negócio, produziu mais de 300 eventos entre jantares e festas de aniversário, casamento, e publicou dois livros de culinária: “Cardápios para o Dia a Dia” e “Cardápios para Receber Amigos”.
Além de lidar com a doença, havia outro desafio: reinventar-se aos quase 60 anos. Ceres chegou a pensar: “O que vou fazer da vida agora?”. Graduada em Publicidade e Propaganda, ainda jovem saiu da casa dos pais para crescer e ser independente. Foi aí que ela começou no ramo da Moda, depois migrou para a gastronomia, e por fim, com quase 60 anos, conseguiu se reinventar. Juntou o que gosta e resolveu compartilhar na Internet.
Por conta do incentivo dos filhos e de algumas mentorias, ela decidiu criar um perfil na web e compartilhar experiências e dicas para mulheres a partir dos 50 anos. “No começo, muitas pessoas não acreditaram no potencial, principalmente por conta da idade”, explica.
Os desafios de envelhecer
O primeiro mito derrubado por Ceres foi o da incapacidade. Ao ter que lidar com gadgets e tecnologia, ela, que só sabia enviar e-mails, simplesmente aprendeu, derrubando a tese de que idosos não são capazes de adquirir conhecimento. “Temos de acreditar em nós mesmos”, completa.
Outro desafio – e talvez o mais cruel – imposto às mulheres é o da pressão por estarem sempre encaixadas em um padrão de beleza.
“Se a mulher quiser mexer no rosto, tudo bem. Se quiser manter as rugas, tudo bem também. Se quiser pintar o cabelo ou deixar branco também tá tudo certo. Cada um tem que fazer o que quiser, mas desde que se respeite e se aceite. Já ouvi comentários negativos sobre ter cabelos curtos e por ter deixado de pintar os fios, porém, nunca me importei. Não quero olhar para o meu rosto e não me reconhecer. No momento, não pretendo fazer plásticas, mas se eu quiser mais tarde, tudo bem”, destaca.
Gerontologista fala sobre envelhecimento
A moradora de Florianópolis Mônica Joesting Siedler, de 66 anos, é socióloga e especialista em Gerontologia – que estuda o envelhecimento -, e conta que desde criança gostava de ouvir e conversar com pessoas idosas.
Atualmente, ela oferece cursos e palestras sobre envelhecimento para pessoas com mais de 50 anos. E como gosta também de Cinema, a socióloga une os dois assuntos em seu perfil no Instagram, espaço em que realiza debates, lives e exibe filmes que representam a terceira idade.
Mônica Joesting Siedler é socióloga e especialista em Gerontologia – Foto: Reprodução Facebook/ND
Mônica também gosta de fazer crochê no tempo livre e que já pensa em transformar o hobby em fonte de renda posteriormente. Mas dentre suas atribuições diárias, uma é a mais importante e representativa. Ela é mãe de Natália, de 34 anos, aluna da APAE Florianópolis, associação que atende alunos com deficiência intelectual, múltipla ou autismo.
Mônica integra a diretoria da APAE Florianópolis e leva a filha todas as manhãs para a associação.
Mônica e a filha Natália, que é aluna da APAE Florianópolis – Foto: Rafael Barboza Lopes/APAE Florianópolis/Divulgação/ND
A gerontologista conta que, como a maioria das mulheres de sua idade, cresceu em ambiente machista. Saiu de casa para morar sozinha aos 22 anos, o que foi visto com olhares de reprovação à época, e formou-se na faculdade, o que era um diferencial entre as mulheres na época.
Entre as frases opressoras que já ouviu, uma a marcou mais: “Quando você envelhecer não vai arranjar alguém que te queira”. Diante disso ela entendeu que o processo é ainda mais difícil para a mulher, que cresce imersa em uma pressão estética, como se a vida se resumisse a agradar parceiros e ter filhos.
“O preconceito é ainda pior porque as pessoas não aceitam o envelhecimento”, completa.
Entre os conselhos de Mônica para quem lida com as agruras provocadas pelo preconceito etário, está a busca pelo conhecimento. “Se quiser pintar o cabelo ou fazer plásticas, tudo bem. Tem que fazer o que quiser. Só que é preciso se aceitar. Olhar-se no espelho, se reconhecer e se aceitar”, completa ela, que nunca quis pintar os cabelos nem fazer cirurgias plásticas.
Representatividade na mídia
Assim como Ceres e Mônica trazem representatividade para mulheres de mais de 50 anos por meio das redes sociais, outras também levam a mesma mensagem para alcançá-las e incentivá-las. É o caso da influenciadora Vovó Izaura Delmi, de 80 anos, também de Florianópolis. Vaidosa e estilosa, ela compartilha seus looks no Instagram, que já têm mais de 230 mil seguidores.
Nos Estados Unidos, a influencer de 100 anos, Iris Apfel, mostra aos seus mais de 2 milhões de seguidores que a idade é só um detalhe. Empresária, designer e ícone da moda, ela adora exibir looks exuberantes.
Aos 91 anos, Nair Donadelli ganhou a fama no TikTok com a página “Vovós TikTobers”, ao gravar vídeos de humor com o falecido marido. Ativa e alegre, ensina ela mostra como deixar a vida mais leve. Seu perfil tem 3,4 milhões de seguidores.
Estrelas internacionais que se orgulham da própria idade
Renomada atriz e ativista, Jane Fonda, com 84 anos, mostra longevidade, elegância e boa forma. Adepta às atividades físicas e aos hábitos saudáveis, ela admite que recorreu a alguns recursos para rejuvener, porém, “sempre teve a intenção de ter uma aparência natural”.
Publicou em 2012 o livro “Jane Fonda: O Melhor Momento” e revelou que um dos motivos pelos quais escreveu foi para mostrar que não é assustador envelhecer. “Grande e boa época da vida é essa”, diz trecho do livro.
Ao lado da atriz Lily Tomlin, de 82 anos, ela é protagonista da série “Grace and Frankie”, que mostra as dores e as delícias do envelhecimento sem tabus.
Série Grace and Frankie mostra as delícias e dores da terceira idade – Foto: Reprodução Netflix/ND
Outras celebridades mostram longevidade e força do alto de sua experiência. É o caso da Rainha da Inglaterra, Elizabeth, de 95 anos, a governante mais velha em exercício. A rainha do pop Madonna, que aos 63 anos mantém a aparência jovem e não tem medo de ser quem é, também é inspiração. Mas, ainda assim, recebe críticas e é alvo de preconceitos por ter envelhecido.
Quem também já sofreu na pele o preconceito de idade é a atriz francesa Brigitte Bardot, de 88 anos. Ela, que já foi considerada um dos maiores símbolos sexuais dos anos 1950 e 1960, optou por envelheceu de forma natural, deixou os fios brancos e aposentou-se aos 70 anos para dedicar-se aos animais. À época da decisão, argumentou que estava cansada de uma vida “superficial e vazia”. No entanto, ainda é vista com olhares negativos por não se encaixar em um padrão.
Quem também sofre o preconceito de ter envelhecido é Brigitte Bardot, renomada atriz de 88 anos, que foi considerada um dos maiores símbolos sexuais dos anos 1950 e 1960 – Foto: Eric Feferberg/AFP
Processo de envelhecimento deve ser mais aceito
A psicóloga Ianka Marcele Silva Oliveira, que atua em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), comenta que o processo de envelhecimento precisa ser enxergado pela sociedade com outros olhos.
“Temos de parar com a infantilização do idoso e também com a ideia de que velhice é doença, incapacidade, fim da vida, como se o idoso valesse menos”, completa.
A psicóloga aponta que os idosos são vistos, principalmente, como inválidos e invisíveis, inativos sexualidade, sem desejos e necessidades. O assunto ainda é visto como um tabu.
E no caso das mulheres, que já crescem com a pressão estética, é ainda pior quando chegam aos 50 anos, ou à menopausa.
“A menopausa é como um marco para a mulher, ela percebe que está envelhecendo. Isso mexe com a autoestima, já que o corpo feminino ainda é visto como se tivesse prazo de validade”.
Por isso, ela sugere que as pessoas busquem conhecimento sobre o processo de envelhecimento, se abram para a aceitação e rompam com os preconceitos, estereótipos e a pressão estética.
“Envelhecer é um processo de vida, não é sinônimo de adoecer. E também não é igual para todo mundo. Por isso, é importante desmistificar o envelhecimento. É preciso entender o processo com respeito e igualdade”, completa.
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