MAI 23, 2022
Sofia Correio Baptista- Expresso. Confira matéria original aqui.
Ilustração Sara Tarita
A esperança de vida continua a aumentar, mas não basta viver mais tempo, importa viver melhor. Três investigadores portugueses na área da longevidade partilham com o Expresso visões sobre os desafios colocados pelo envelhecimento e sobre o trabalho que desenvolvem
À medida que vivemos mais tempo, a investigação na área da longevidade e do envelhecimento ganha importância. O Expresso conversou com três portugueses que se dedicam a este estudo com sucesso, em Portugal e além-fronteiras: Lia Araújo, Filipe Cabreiro e João Passos.
Todos concordam que, com o aumento da esperança de vida, é importante trabalhar para que esse tempo seja de qualidade. “Há vários estudos com todos os grupos populacionais e o que as pessoas valorizam não é o tempo de vida, mas sim a qualidade desse tempo”, aponta Lia Araújo, professora na Escola Superior de Educação de Viseu e investigadora no CINTESIS, onde integra o grupo AgeingC, dedicado ao envelhecimento.
Viver mais? “A maior parte das pessoas acredita que o tempo que se passa cá é suficiente”, concorda Filipe Cabreiro, professor e investigador no CECAD, da Universidade de Colónia (Alemanha). “Aumentar a longevidade em si não faz sentido nenhum se esta não for acompanhada com um aumento equivalente da qualidade de vida”, defende. Para viver melhor o envelhecimento, é preciso agir desde cedo. Lia Araújo dá o seu próprio exemplo: “Eu tenho 36 anos – aquilo que faço neste momento vai ter uma influência muito grande, não só na possibilidade de chegar aos 100 ou não, mas muito na forma como posso chegar aos 100.” Ou seja, “quando se fala da importância da atividade física, da alimentação saudável, das relações sociais”, não está em causa apenas o bem-estar no presente, mas também um “impacto brutal no envelhecimento, independência e autonomia”. Apesar disso, Filipe Cabreiro aponta que, “principalmente quando somos novos, não temos tendência a pensar nessas coisas”.
“A melhoria das condições de vida tem grande influência a nível da trajetória do envelhecimento humano”, algo que “parece comum, mas que a área da investigação do envelhecimento mostrou”, refere o biogerontologista João Passos. Comer de forma saudável, por exemplo seguindo a dieta mediterrânica, e fazer exercício físico regularmente é fundamental. “As sociedades em que essas características são mais predominantes são aquelas em que as pessoas têm melhor qualidade de vida durante o envelhecimento”, destaca. Ainda no que toca ao estilo de vida, outro fator relevante são os laços sociais. “Está mais que provado que uma pessoa que durante a sua vida adulta não se dedique muito aos amigos e à família – que seja, por exemplo, super focada no trabalho –, quando chegar à idade da reforma e à velhice, vai ter imensas dificuldades de integração social porque não investiu na rede social”, aponta Lia Araújo.
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO É “EXTREMAMENTE COMPLEXO” A investigação na área da longevidade tem sido alvo de maior interesse nos últimos anos. Inicialmente, “não era vista como ciência a sério”, algo que já não acontece atualmente, aponta Filipe Cabreiro. “Agora há muitos investimentos da parte de grandes bilionários”, diz, exemplificando com o caso da Altos Labs, que conta com o financiamento de Jeff Bezos. No entanto, Filipe Cabreiro alerta que a “ideia de que vamos resolver o envelhecimento imediatamente ou no curto prazo não é razoável”, isto porque “o processo de envelhecimento é extremamente complexo”, tal como os próprios seres humanos. João Passos concorda: “Não existe apenas uma coisa que causa o envelhecimento, existem muitos fatores que levam ao envelhecimento.”
Ambos destacam o surgimento de doenças como um dos fatores relevantes com o passar dos anos. Por estarmos “cada vez a viver mais tempo”, há “cada vez mais pessoas que precisam de cuidados médicos”, aponta João Passos. “Quanto mais tempo se vive, mais probabilidade se tem de ter cancro ou doenças cardiovasculares ou Alzheimer”, refere. Por isso, é preciso “melhorar o processo de envelhecimento, para reduzir o impacto ou o aparecimento dessas doenças”, indica Filipe Cabreiro.
Assim, o foco não deverá estar em aumentar o tempo de vida por si só, mas em “tentar aliviar o sofrimento associado ao envelhecimento”, diz João Passos. Até porque uma “longevidade extrema” criaria uma situação “insustentável”, uma vez que o mundo “tem limites a nível de recursos”, destaca Filipe Cabreiro. A nível de emprego, por exemplo, há cada vez “maior competição” e, com os avanços tecnológicos, as pessoas “já começam a ter dificuldades em acompanhar as mudanças tão rápidas que existem”, acrescenta. Em termos populacionais, Lia Araújo está preocupada com o impacto que terá no futuro o “adiamento da parentalidade que se está a verificar” atualmente. “Daqui a uns anos, pensando na minha geração quando for centenária, vai ter filhos muito novos. Isto vai mudar muito o quotidiano e a vida das pessoas”, salienta. Além disso, a previsão em relação ao número de cuidadores daqui a uns anos é “assustadora”, devido ao “rácio de adultos para idosos muito inferior àquilo que já existe neste momento”.
OS PERCURSOS DOS TRÊS INVESTIGADORES O português que contribuiu para o fim do mito do “gene da longevidade” Filipe Cabreiro estudou Bioquímica Aplicada na Universidade do Porto. Fez o doutoramento em Paris, onde estudou o envelhecimento celular. Depois seguiu até Londres, para a University College, onde se destacou por participar na investigação que contribuiu para acabar com o mito do “gene da longevidade”.
O que estava em causa? Cabreiro explica que se criou “muito entusiasmo à volta da ideia de que havia um gene que podia ser regulado por certos compostos e que a ativação desse gene levaria a uma longevidade aumentada”. Havia “muito burburinho” porque muitos não conseguiam “replicar o estudo” nem “ver os efeitos”. Cabreiro integrou a equipa que tentou “clarificar o que se estava a passar”, concluindo que os efeitos observados estavam relacionados com “mutações noutros genes” e não naquele que se dizia – o da sirtuína.
Filipe Cabreiro - Layton Thompson
Apesar da notoriedade provocada pelo estudo, publicado na revista científica Nature, o português refere que “não foi uma experiência muito positiva” devido à controvérsia que se gerou e porque “havia muito atrito entre os laboratórios”. Seguiu com a carreira e contribuiu, por exemplo, para mostrar “como é que os micróbios alteram os compostos que tomamos e como é que isso influencia não só o envelhecimento em si, mas também no contexto do cancro”. Em 2017, venceu o prémio de melhor investigador jovem em Inglaterra.
Ainda tem laboratório no Imperial College, em Londres, mas agora está a maior parte do tempo na Alemanha, no CECAD, da Universidade de Colónia. O objetivo passa por “utilizar o potencial que existe na natureza para tentar descobrir novos compostos que possam ter um efeito não só de aumentar, mas principalmente de melhorar o processo de envelhecimento”.
As células que envelhecem
João Passos - Mayo Clinic
João Passos também seguiu uma carreira internacional. Licenciou-se em Bioquímica na Universidade do Porto e, depois de ler o livro “Time of Our Lives: The Science of Human Aging”, contactou o autor – Tom Kirkwood, “um dos pais da investigação do envelhecimento no Reino Unido” – para saber se poderia fazer o doutoramento no seu laboratório. Foi assim que chegou ao Institute for Ageing, da Universidade de Newcastle, onde trabalhou durante vários anos.
Desde o início que João Passos tem como objetivo “tentar compreender por que razão é que envelhecemos, por que é que as nossas células acabam por perder a função com o tempo”. Ao tentar responder a esta pergunta, procura também “possíveis intervenções que possam aliviar, adiar ou prevenir o envelhecimento”. Uma das razões para em 2018 se ter mudado para a Mayo Clinic, nos Estados Unidos, relaciona-se com o estudo do papel das células senescentes, que se começam a acumular quando envelhecemos. “São células que, apesar de estarem danificadas, não morrem e têm efeitos negativos”, explica. Nos últimos anos, a Mayo Clinic fez “uma experiência considerada muito importante”, em que foi encontrado “um sistema em que se pode eliminar essas células”, através de medicamentos que “aumentam a vida dos ratinhos” e “melhoram muitas condições e doenças associadas ao envelhecimento”. Os testes clínicos em seres humanos ainda estão a decorrer.
A importância de ter um sentido de vida
Lia Araújo - Cintesis
E porque a investigação não se faz só no laboratório, Lia Araújo dedicou-se ao estudo de centenários portugueses no doutoramento em Ciências Biomédicas, depois de ter concluído a licenciatura e o mestrado em Gerontologia. O projeto PT100 foi o primeiro dedicado a esta faixa etária em Portugal e incluiu 141 centenários do Porto e 100 da Beira Interior.
A equipa a que a investigadora pertencia dedicou-se especialmente aos fatores psicossociais, que “permitem a uma pessoa aos 100 e mais anos de idade estar bem”, como por exemplo a atitude perante a vida ou a importância da família. “Nos nossos centenários, a religião e a espiritualidade foi um dos fatores identificados como importante para o bem-estar”, refere.
O foco do seu trabalho está sobretudo em perceber o que é possível fazer através de “intervenções que façam com que a pessoa se sinta útil e tenha um sentido de vida”. “Às vezes são coisas muito simples, como por exemplo ter numa instituição de apoio a idosos um bom leque de atividades de estimulação, de lazer e de convívio social, que façam a pessoa ter aquele sítio para ir e estar – ter de se arranjar de manhã porque vai ter essa atividade”, explica.
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