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SNS: Mais de 2% do PIB para resposta ao envelhecimento

MAI 07, 2022

Fátima Ferrão - Diário de Notícias. Confira matéria original aqui.


A falta de organização e planeamento no SNS e as necessidades futuras foram alguns dos temas em análise no encontro. © Rita Chantre / Global Imagens


Sistema Nacional de Saúde (SNS) padece de uma doença crónica de organização e de foco. A opinião é de Óscar Gaspar, que participou esta semana num dos debates da 10.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde, promovida pela AbbVie, e a que o DN e a TSF se associaram. "No SNS olha-se sempre para o imediato, não se investe na prevenção, e não há planeamento a longo prazo", aponta o Presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP). Uma crítica que surge a propósito da análise do Índice de Saúde Sustentável 2021, produzido pela NOVA IMS, apresentado momentos antes.


A sustentabilidade do sistema não é um tema novo, mas continua a merecer a crítica de quem faz parte do ecossistema da saúde em Portugal. "O SNS não está a responder de forma adequada, e já não estava antes da pandemia", diz Hélder Mota Filipe. Para o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, outro dos participantes nesta conversa, "há um problema de modelo e, consequentemente, de organização [no SNS]". Na sua opinião, é preciso focar mais no resultado e menos no processo, aproveitar a capacidade instalada, e iniciar uma mudança que deve ser liderada pelo SNS. "O modelo não responde às necessidades atuais. Tem que ser mais flexível na utilização da sua capacidade, ter menos "quintas" e trabalhar de forma articulada".


Mais gestão profissional e autonomia é o que pede Óscar Gaspar. Apesar do Governo já ter lançado o debate sobre o modelo de gestão do SNS, o presidente da APHP aponta que pouco ou nada foi feito para mudar. Na sua opinião, não se justifica que o SNS continue a representar 70% dos cuidados de saúde. "Está demasiado fechado e tem que lançar pontes a quem pode ajudar". Hélder Mota Filipe concorda e acrescenta: "Se conseguirmos que o sistema trabalhe em rede, diminuindo redundâncias, e apostando na tecnologia para melhorar a organização teremos um desempenho mais sustentável."


Um longo caminho


Apesar da recuperação apresentada pelo Índice de Saúde Sustentável, que atinge em 2021 os 92,5 pontos (numa base de 100) depois de, em 2020, ter chegado ao nível mais baixo (89,3) desde 2015, Pedro Simões Coelho, diretor e professor da NOVA IMS e um dos autores, afirma que o SNS terá que garantir ganhos de produtividade nos próximos anos. "Há [no estudo] componentes de grande preocupação". O investigador destaca, por exemplo, os 7,3% de cidadãos que não compraram medicamentos devido ao custo, ou os 5,8% que deixaram de ir às urgências devido ao preço das taxas moderadoras. Números aparentemente baixos, mas indicadores de que o sistema não está a dar uma resposta igualitária a todos os cidadãos. Pedro Simões Coelho refere ainda os 17% dos portugueses que, em 2021, faltou mais de 20 dias ao trabalho por motivos de saúde. Uma percentagem que cresce para os 50% quando a falta é de apenas um dia. Isto significa, revela, que ainda há muitos dias de trabalho perdidos -- passíveis de serem evitados --, o que se traduz numa perda de mais de sete mil milhões de euros por via dos salários. "Não há razão para os doentes crónicos não terem os seus medicamentos numa farmácia, ao invés de faltarem ao trabalho para ir buscá-los ao hospital", exemplifica Hélder Mota Filipe.


Outro problema que já está a ter um grande impacto nas contas do SNS, e que tende a piorar, é o envelhecimento demográfico. Uma população que vive até mais tarde, mas que tem uma elevada carga de doença - superior a outros países europeus -, já representa um custo superior a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), "São mais de quatro mil milhões de euros só para esta questão", diz Óscar Gaspar. Este tema exige uma mudança de mentalidades e uma aposta firme na prevenção que, a par com o investimento, têm sido os "parentes pobres" do SNS. Mas, antes disso, "é preciso investir no edificado, no equipamento e, acima de tudo, nos recursos humanos, cuja escassez é muito grave". Hélder Mota Filipe complementa: "Temos que ter mais prevenção (séria, integrada e sustentável), mais tratamentos que serão tendencialmente mais caros, fatores que permitirão garantir uma maior poupança na doença".


Falta uma revolução digital na saúde


O acesso a medicamentos inovadores e a ensaios clínicos que acelerem a introdução de novas terapêuticas são temas em que Portugal ainda fica atrás de outros países europeus. A burocracia continua a ser uma pedra na engrenagem das aprovações, o que aumenta o peso da doença a cargo do SNS. De acordo com o estudo "O valor do medicamento em Portugal", feito pela APIFARMA, os medicamentos inovadores já permitiram reduzir as hospitalizações, e outros custos diretos com a saúde, em cerca de 560 milhões de euros anuais. O mesmo estudo refere ainda que o valor dos anos de vida saudável ganhos por doentes com cancro, VIH, Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, esquizofrenia, diabetes e insuficiência cardíaca, depois de receberem terapias medicamentosas inovadoras representa entre 5 e 7 mil milhões de euros anuais, um valor acima daquele que é gasto em medicamentos, e que ronda os 3,8 mil milhões de euros a cada 12 meses. "A questão dos tempos é importante, temos feito esse esforço, e continuaremos a fazê-lo, para fazer chegar ao mercado os medicamentos em avaliação o mais rapidamente possível", revela Rui Ivo, que participou no debate sobre a inovação e o futuro da saúde, integrado na 10.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde. O presidente do INFARMED garante que, apesar de alguma demora - também por falta de recursos especializados -, "estamos a caminhar no sentido de ter medicamentos cada vez mais específicos para cada situação". A informação genética a que os investigadores hoje têm acesso permite chegar a respostas muito mais dirigidas, mas também com custos muito mais elevados. Rui Ivo recorda o caso dos medicamentos para a atrofia muscular, que potencialmente poderão curar uma anomalia genética e, se isso for possível, com um impacto a longo prazo muito significativo.


Ter acesso às melhores terapêuticas faz-se também com ajuda da tecnologia e com um trabalho em comunidade. João Almeida Lopes dá o exemplo da investigação global que, em poucos meses, deu origem às vacinas contra a covid-19 e que deveria ser replicada. "Pela primeira vez vimos uma Europa comunitária que fez o rollout das vacinas ao mesmo tempo em todos os países", exemplifica o presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), que participou no mesmo debate. Rui Ivo, partilha da mesma opinião e acredita que este cenário acabará por ser uma realidade. "Esta semana foi lançada, a nível europeu, a proposta da Comissão Europeia sobre o European Health Data Space, ou seja, criar as condições para termos dados em saúde de forma disponível, de forma comunicável, de forma partilhável".


As poupanças seriam evidentes, quer para o sistema de saúde, quer para a qualidade de vida dos doentes. Otimizar, estandardizar e digitalizar permite criar sistemas online, interoperativos, onde o doente está no centro do sistema e é dono da sua informação, autorizando, de forma remota, os profissionais de saúde a aceder à sua informação. "Quanto é que não pouparíamos em saúde e quanto não daríamos ao doente em termos de qualidade de vida", questiona João Almeida Lopes. Mas, reforça, "ainda falta fazer uma revolução digital na saúde".


Envolver os doentes é fundamental


Mas para que o trabalho em comunidade seja ainda mais eficaz, é preciso alargar o ecossistema à figura central que é o doente. Mesmo no que se refere à aceleração da investigação, dos ensaios clínicos, e posteriormente, da aprovação de novos medicamentos, "é fundamental que as decisões sejam mais participadas, envolvendo também os doentes", acredita Rui Ivo. "Hoje estamos capacitados para fazer ouvir a voz dos doentes nesta situação importantíssima que está ligada à sua qualidade de vida", complementa Jaime Melancia.


No entanto, o presidente da Assembleia Geral da EUPATI Portugal, uma associação que promove a literacia e a informação junto dos doentes, manifestou a sua preocupação com os tempos de espera, quer pelas consultas, quer pelos medicamentos. Muitas vezes, diz, "os doentes veem o seu estado de saúde agravar-se, quando os medicamentos já estão aprovados a nível europeu".


Outro problema, aponta Jaime Melancia, são as assimetrias que existem dentro do país a nível de acesso à inovação tecnológica e de medicamentos, e com as disparidades que existem dentro do SNS e da forma como os hospitais gerem o acesso a estes medicamentos. "É uma questão de reorganizar o modelo que existe ou criar um novo, mas é preciso ter em atenção que tem de ser feito da perspetiva do doente".


Investigação tem que abrir-se ao mundo


Aumentar a competitividade de Portugal para a investigação clínica é uma das missões da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB), representada neste debate pela presidente da direção, Catarina Resende Oliveira. Um dos seus recentes projetos, em parceria com a APIFARMA e a IQVIA, é o Portal de Ensaios Clínicos. "Este portal tem uma grande relevância porque abre à sociedade e ao mundo o conhecimento daquilo que se faz em investigação clínica em Portugal", diz a investigadora que acredita que esta é também uma oportunidade de captar novos estudos. E isto, reforça, "é fornecer à nossa sociedade melhores e mais modernas possibilidades de intervenção terapêutica, dar acessibilidade a medicamentos experimentais de que, outra forma, não seriam acessíveis e muito importante do ponto de vista dos cuidados de saúde".


Alexandre Lourenço reforça: "É importante ter uma estratégia portuguesa de crescimento económico e industrial na área da biomédica, que não existe, mas é essencial para o futuro. O sistema português produz este conhecimento, tem as pessoas, e é importante criar condições para que Portugal seja atrativo". Em jeito de recomendação, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) defende a criação de um ambiente que promova esta investigação e desenvolvimento. "Mesmo na questão do medicamento, estamos a falar de um setor que do ponto de vista organizacional tem uma série de deficiências, está organizado como estaria há 30 ou 40 anos, e estamos a utilizar tecnologia que é de última gama e que não se coaduna com um sistema cheio de lacunas em termos organizacionais".


dnot@dn.pt



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