DEZ 30, 2021
Ricardo Mucci - Jornalista Online. Confira matéria original aqui.
Para esclarecer os apressadinhos e capciosos, o artigo não trata de Sexo, mas sim da Experiência do Usuário Sênior (Senior Experience), conceito que batizei de SEX.
Resolvi abordar este tema porque vivemos na UX Era. Seminários, debates, experts. Todo mundo fala em UX, mas a bem da verdade, temos muito que evoluir neste sentido, mesmo com os avanços registrados nos últimos anos.
Antigamente, quando o consumidor era apenas freguês, uma frase, exaustivamente usada no comércio, resumia de forma simples e clara seu status: “o cliente sempre tem razão”. Hoje, convivemos com diversos conceitos que definem esta relação, como UX ou SEX – este último proposto neste artigo – que, em última análise, são instrumentos que empresas colocam em prática para fidelizar os clientes às suas marcas.
Produtos industrializados, embalagens, interfaces, celulares, call-centers, bancos digitais, e-commerces, delivery, websites, apps, veículos. A lista vai longe dos itens que carecem de uma revisão no que diz respeito à usabilidade do consumidor sênior, que hoje corresponde a mais de 35 milhões de brasileiros.
Usabilidade dialoga com acessibilidade, é bom lembrar. Porém, não vamos nos deter nos desafios das pessoas portadoras de necessidades especiais, muitas delas 60+, com imensas dificuldades para caminhar pelas calçadas, acessar restaurantes, circular por residências, shoppings, hotéis e outros locais.
Vamos apenas relembrar um acontecimento recente, de destaque na mídia mundial, e que ilustra a triste realidade. A ministra de Energia de Israel, Karine Elharrar, é cadeirante e não conseguiu participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, porque o local do evento não tinha estrutura de acessibilidade para todas as pessoas.
Acessibilidade zero. Usabilidade zero.
O consumidor sênior
Vamos ao que interessa. O público sênior é composto por pessoas de vários perfis. Muitos conseguem realizar tarefas braçais sem problemas e interagem com o mundo digital sem stress. Mas existe um contingente enorme que tem a mobilidade comprometida e não consegue executar todas as tarefas, em especial aquelas que dependem do domínio das funcionalidades do celular ou de aplicativos, muitos deles nada amigáveis.
Não por acaso, os cibercriminosos miram preferencialmente este público ou quem desconhece os riscos e limites das novas tecnologias. Aqui no Brasil não temos números precisos, mas nos Estados Unidos os crimes digitais contra idosos atingem a impressionante cifra de US$ 2 bilhões.
Neste contexto, estamos diante de um risco duplo. De um lado, a necessidade de tornar a tecnologia mais amigável. De outro, preservar a segurança do usuário que a utiliza diariamente. Está aí um enorme desafio para Devs, designers, profissionais de segurança de dados e demais envolvidos no desafio de criar produtos e serviços que atendam o perfil do usuário sênior.
Vamos combinar que as tecnologias disponíveis – e as que vêm por aí – são flexíveis o bastante para suprir qualquer demanda. Falta, sem dúvida, a percepção de que o universo de consumidores vai além dos 45 anos! E que tais pessoas têm hábitos, limitações e conhecimentos compatíveis com a idade, nível de escolaridade, classe social e por aí vai – o que exige a oferta de produtos e serviços, físicos ou virtuais, customizados para cada perfil.
Exemplos não faltam
Em várias ocasiões, somos solicitados a ajudar uma pessoa a abrir garrafa pet, vidro de azeitona, lata de atum, shampoo ou embalagem plastificada. Contudo, o que mais se destaca em usabilidade é a ergonomia de interfaces inadequadas de sites e aplicativos.
A arquitetura é complexa, construída para o nativo digital e não para o imigrante. De outro lado está a navegação, que via de regra, exige inúmeros cliques até chegar à função desejada que, muitas vezes, remete a uma outra sequência de cliques, que acabam com a paciência de qualquer cidadão.
Resultado: a experiência do usuário é frustrada, mas pouca gente fica sabendo, pois este consumidor é invisível para o mercado. Bom, pelo menos é o que testemunhamos nos dias de hoje.
Lembro de uma ocasião em que coordenei o trabalho de construção do portal do MCTI – Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Identificamos que o site tinha mais de 50 mil páginas, o que dificultava sobremaneira a navegação em seu conteúdo e, certamente, frustrava todas as expectativas. O próprio ministro, à época, se surpreendeu com a informação, mas infelizmente ficou pouco tempo no cargo e o novo portal não era prioridade de seu sucessor.
Uma das raras empresas que se dedicam a enfrentar este gap é a SeniorLab, do amigo Martin Henkel, que estuda este mercado com lupa e tem identificado problemas e apontado soluções de usabilidade para diversos produtos.
Outra iniciativa que merece destaque é a Sociedade Brasileira de Gerontecnologia, pouco conhecida do público em geral e da mídia em particular. A conexão prioritária da SBGTec é com o universo acadêmico. Função da SBGTec é estudar e propor soluções – tecnológicas ou não – para que produtos e serviços sejam adequados ao perfil do usuário sênior.
Um caso prático
Recentemente, uma amiga sênior cadastrada no Stix, serviço de recompensas que reúne várias empresas, entre elas Drogasil, Droga Raia, Pão de Açúcar e Extra, tentou trocar créditos por produtos que ela havia escolhido na promoção. Primeiro desafio: nem tudo que está disponível no app, está disponível na rede de lojas físicas. Segundo: via de regra, o estoque é volátil e quase sempre acaba antes da promoção.
O jeito é fazer uma peregrinação de loja em loja, na expectativa de que uma delas disponha do produto escolhido. Outro aspecto observado, mais diretamente ligado a UX: os funcionários das lojas não são treinados nas funcionalidades do app e muito menos para lidar com os casos de exceção, que são comuns. Não conseguem oferecer respostas plausíveis para o consumidor, que simplesmente foi reivindicar um direito que o Stix lhe assegurou, por se fidelizar às empresas participantes da promoção.
A jornada do consumidor se torna um pesadelo. Este é apenas um exemplo pontual – que o Stix deve corrigir rapidamente – de porque a experiência do usuário deve ser levada a sério em todos os níveis. Imagino que cada um dos leitores deste artigo sofreu alguma decepção com serviços online, já que praticamente todas as necessidades do nosso cotidiano passam, invariavelmente, por um dispositivo digital.
Eu mesmo sou um crítico feroz dos programas de fidelização das companhias aéreas, que classifico como “programa de humilhagem” tal o desrespeito a que o consumidor é submetido através destes mecanismos. Todos já passaram pela experiência de tentar utilizar estes programas sem sucesso: ou a pontuação exigida é astronômica ou a promoção se esgota em questão de horas.
E ai de você se perder o voo da promoção, independente da razão que motivou o cancelamento. Vai ter que pagar tabela cheia, mesmo que o avião decole com assentos livres.
Aconteceu comigo e, certamente, já aconteceu com você. E o cartão fidelidade? Ora o cartão fidelidade vai pra coleção. Mais uma experiência decepcionante do usuário, salvo raras exceções que eu desconheço.
Há um longo caminho a percorrer entre a teoria e a prática, a versão e o fato. Por mais atraentes que sejam os produtos, por mais bem-intencionadas que sejam as promoções, por mais coloridos e animados que sejam os aplicativos, a experiência do usuário continua em segundo plano. E se for um consumidor sênior então, nem se fala. Às vezes, tenho saudades do tempo em que o “cliente tinha razão”. E você?
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